sexta-feira, maio 13, 2011

Rio de livros


Rio de livros
Hermano Vianna
Vivo repetindo esta conversa de antropólogo por aqui: sempre é bom escutar o que forasteiros dizem sobre nossa(s) cultura(s). Tudo bem, às vezes se enganam redondamente, pensando estar nos dando lições de superioridade/inferioridade. Mas outras vezes acertam na mosca que pousou em nossa sopa, e nos abrem os olhos de tal maneira que passamos a nos entender melhor, nossos defeitos e qualidades. Comprei o livro do escritor português António Pinto Ribeiro pois, ao folheá-lo, descobri que declara o Rio ainda mais belo por causa das nossas livrarias. Não é que ele tem razão? Gosto de outras livrarias mundo afora. Tirando onda: nada como se perder na imensidão da Blackwell’s, de Oxford, ou nos diversos alfabetos da Kinokuniya, de Cingapura; nada também como se defrontar com a seleção precisa da pequena ProQM de Berlim, onde tudo me interessa. Mas tenho que confessar: não existe livraria tão boa como a Leonardo da Vinci, ou sebos como o Berinjela, ou seleções como as da Malasartes e da Folha Seca. E fico mesmo encantado com a existência de três megalivrarias no complexo BarraShopping/New York City Center.
Acabo de enumerar tudo isso (e nem falei da resistência da Camões e de tantas outras) e me pego espantado: ao contrário das lojas de discos, que foram desaparecendo, as livrarias eeditoras parecem viver época de grande expansão/transformação.
Também espanta a quantidade de novos livros e editoras no mercado brasileiro. As prateleiras de lançamentos parecem sempre superlotadas, agora também com livros de capa dura, em edições bem cuidadas, revelando surpreendentes frentes de pesquisa entre nós. Não estou acostumado com tanta abundância , fico nervoso achando que pode ser fase passageira, que a tiragem é limitada e acabo comprando muita coisa por imaginar que nunca mais vou encontrar um exemplar novamente. Penso: “Vai que um dia eu fico interessado nisso...” Vício de peso: esses livros de capa dura, além de caros, são muitos quilos para carregar e armazenar. Ainda bem que não tenho que trazê-los do exterior.
Na coluna de hoje, vou comentar algumas das minhas recentes aquisições, que não vi serem resenhadas em outros lugares (sugiro também a leitura do texto que publiquei no Overmundo sobre “Brasil rupestre
— Arte pré-histórica brasileira”, uma preciosidade que nunca vi elogiada em outros lugares — imagino que as seções de livros de jornais e revistas também não saibam muito bem como lidar com essa cada vez maior eflorescência editorial, vinda de todos os cantos). Não consegui resistir, por exemplo, ao olho do jaguar que está na capa de — que outro título mais justo poderia ter? — “Jaguar”, de Evaristo Eduardo de Miranda e Liana John, lançado pela Metalivros. Até que resisti: com tanta coisa para ler antes, vou arrumar tempo para me interessar pela vida das onças? Claro que arrumei. O sangue indígena que corre nas minhas veias deve ter falado mais alto que qualquer outra necessidade. Uma vez — eu juro que essas coisas acontecem comigo — levei o pajé Sapaim e seu neto para um passeio pelo zoológico do Rio. Foi comovente observá-los contemplando respeitosamente, avô apontando detalhes para o neto, as onças em suas jaulas. Foram os únicos animais que mereceram tanto tempo de “culto”. Também pudera: o jaguar ocupa alguns topos das mitologias indígenas americanas (como Liana John descreve bem em “Jaguar”, enumerando mitos — ilustrados com muitas fotos — de procedências históricas e geográficas diversas), e o pajé realmente poderoso é quem é capaz de se transformar em onça.
Aprendi também muita coisa sobre a biologia/ecologia que envolve o mundo dos jaguares, esses animais crepusculares e solitários — os belos e cruéis reis de nossas selvas —, graças aos textos de Evaristo Eduardo de Miranda. Fui tentar conhecer melhor esse doutor em ecologia da E m b r a p a c o m uma pesquisa no Google e fiquei ainda mais seu admirador: ele escreveu vários outros livros interessantes, que
tornam públicas suas pesquisas p ro f u n d a s e m teologia, com especialização na história e no significado do batismo e também no ministério de exéquias, além de obras mais leves como um “Guia de curiosidades católicas”. Já deu para perceber que gosto de gente assim, curiosa diante da diversidade estonteante do mundo.
Outra compra irresistível foi “O círculo Veloso-Guerra e Darius Milhaud no Brasil”, que tem como subtítulo “Modernismo musical no Rio de Janeiro antes da Semana” e é assinado por Manoel Aranha Corrêa do Lago (editora ReLer). Já escrevi em algum lugar que se um dia pudesse viajar no tempo não iria para a Grécia Antiga ou para a China da época da invenção do I-Ching. Ficaria aqui pertinho, no Rio de Janeiro que estava inventando o samba, cidade fascinante que não se cansa de nos surpreender com novas facetas de sua riqueza cultural. Pois esse livro nos mostra que também surpreendido ficou Darius Milhaud quando chegou por aqui e foi introduzido até àobra de Erik Satie, que não conhecia em Paris. Impressionante a história esquecida da pianista de vanguarda Nininha Veloso Guerra, apresentada com material iconográfico inédito, com programas de concertos desconcertantes. Essa época do Rio ainda vai ser fonte para muitos outros bons livros, que vão encher as prateleiras (reais e virtuais) de nossas cada vez melhor.

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