segunda-feira, junho 20, 2011

Protagonismo de retaguarda

Protagonismo de retaguarda
Alon Feuerweker - Correio Braziliense
Se não queremos dar opinião sobre nada, se nunca achamos necessário tomar posição sobre assuntos alheios e se não queremos nos meter na vida de ninguém, para que mesmo o tal lugar fixo no politburo planetário de Nova York?
A diplomacia brasileira destes dias tem chance de entrar para a história como arquiteta de um conceito inteiramente novo, o protagonismo de retaguarda. Todo dignitário de algum peso que por aqui passa se obriga a percorrer a pauta das nossas — justas — pretensões a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Então, na teoria, deveríamos ser mesmo um país com algo de importante a dizer sobre os mais delicados temas planetários. Não fosse assim, para que a tal cadeira?
Pausa. Corta em direção à também novíssima política externa ancorada na exigência de respeito absoluto aos direitos humanos, doutrina anunciada por Dilma Rousseff ainda antes da posse e definida como “inegociável”.
Como explicar, à luz dessa ideia fundadora, o silêncio também absoluto do Brasil diante do massacre sistemático que o governo da Síria perpetra contra a oposição?
No Conselho de Segurança, onde ocupa um lugar rotativo, o Brasil tem trabalhado para evitar qualquer menção crítica a Damasco.
E nas instâncias multilaterais de direitos humanos, então, nem se fala. Até há pouco, o Itamaraty tinha cota master de patrocínio de candidaturas tipo Síria, ou Líbia, para cadeiras nesse nível.
Motivos para criticar Bashar Al-Assad não faltam, como diz a insuspeita Turquia, parceira do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva no fiasco de Teerã.
O PT tem seu acordo de cooperação firmado anos atrás com o governista Partido Baath sírio. Mas, se Dilma não deu pelota para o petismo no recente transplante cardíaco no governo dela, não deve estar guiada, na política sobre Damasco, por um papelucho partidário qualquer.
Nova pausa. Corta de novo. Enquanto não aparecer uma explicação melhor, é justo concluir que, mesmo já decorrido meio ano do início das revoltas democráticas árabes, o tempo não foi suficiente para o Brasil encontrar um caminho seu na abordagem do cenário.
Ao longo dos dois quadriênios de Lula, a diplomacia pátria atuou no palco levantino como se a única premissa invariável fosse a estabilidade política absoluta dos regimes despóticos. Um fracasso e tanto de inteligência.
Para o bom andamento dos negócios, era estratégico contornar as pautas da democracia e dos direitos humanos, e o Itamaraty soube fazer bem, pois sempre havia feito isso mesmo.
Até o dia em que Lula, convencido por Celso Amorim de que a grande hora havia chegado, esboçou a mudança de patamar.
E o Brasil apresentou-se como vetor indispensável para a busca de soluções aos problemas mais intrincados daquele complicadíssimo pedaço do mundo.
Deu errado, e a solução foi recuar ao leito original, onde pelo menos nossos diplomatas já estavam habituados ao esconde-esconde.
Mas o bicho pegou na campanha presidencial, e a bonita amizade entre Lula e Mahmoud Ahmadinejad acabou se revelando um passivo. Pegou mal além da conta.
Conclusão que levou a dupla Dilma/Antônio Patriota a ensaiar um novo caminho, onde os direitos humanos agora seriam apresentados como inegociáveis.
Caminho que entretanto não resistiu aos fatos da vida. Quando o vulcão finalmente entrou em erupção, o Brasil ficou mesmo é sem política nenhuma para o mundo árabe e islâmico.
O alinhamento incondicional aos líderes em desgraça não serve mais. Ou pelo menos não é mais publicamente defensável. E o apoio à democratização pode indispor-nos com os ditadores que eventualmente consigam sobreviver.
Nem mesmo temos — ou parecemos ter — informação para adotar a linha do cada caso é um caso, como faz espertamente a superpotência.
Assim como nos episódios de Honduras e do Irã, a diplomacia brasileira não tem conseguido evitar que nossos tomadores de decisão precisem voar no escuro e sem instrumentos.
Resta-nos o silêncio obsequioso, essa viga mestra do protagonismo de retaguarda. Que sempre pode ser vendido como “respeito à autodeterminação dos povos”.
E que de vez em quando nos empurra a situações deploráveis, como o desprezo que o governo Dilma dedicou à Nobel da Paz iraniana Shirin Ebadi, que nem sendo mulher — e lutadora pelos direitos da mulher — conseguiu sensibilizar este governo tão feminino.

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