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domingo, maio 02, 2010
As recomendações do ministro Temporão
As recomendações do ministro Temporão
Deonísio da Silva - ESCRITOR - Jornal do Brasil - 01/05/2010
Em frases repletas de “ão”, o ministro Temporão recomendou sexo contra a hipertensão, mas disse que não precisa exagerar. Cinco vezes por semana está bom. Foi como se informasse: sai a hipertensão e entra a hipertesão. Espalhou perplexidade entre todos os casais, sejam avulsos ou oficiais. E, seguindo aquilo que de uns tempos para cá até as autoridades assumiram, com poucas exceções como a da Igreja, não falou de amor, mas de sexo apenas, como se fosse, não médico e ministro da Saúde, mas veterinário apenas. “Não sois máquinas, homens é que sois”, avisou Charles Chaplin quando a crescente industrialização da Europa e dos EUA reificava as pessoas num ritmo alucinante. Reificar é tornar coisa, é coisificar. Por que então não escrevemos coisificação? Porque as palavras têm sutis complexidades. Coisificar pode significar muito mais coisas. Coiso, por exemplo, é um dos nomes do Demônio no Brasil. E quando esquecemos o nome de alguém, se é do sexo masculino, gaguejamos “o Coiso, como é o nome dele, o Coiso, o cara, aquele que etc”. E, se do sexo feminino, exclamamos “mas você não conhece a Coisa, aquela que trabalhava alhures etc”. Sem contar que coisa é quase tudo, e a mãe recomendava a filhos e filhas que lavassem bem o coiso e a coisa antes de deitarem para dormir. Pois tais palavras são também eufemismos para as funções sexuais e excretoras. Por isso, digamos: quem quer transformar alguém em coisa, o que quer é reificá-la. Reificação é, aliás, um termo de sociologia e de filosofia. Pois bem, as campanhas do Ministério da Saúde, não apenas deste governo, mas há várias gestões, apregoam subliminarmente que nada têm contra uma vida devassa. Antes, a estimulam com a doação maciça de camisinhas. Mas não dão livros, nem filmes, nem peças de teatro, nem música com a mesma generosidade. Um cedê de boa música clássica jamais estará na cesta de governo nenhum. Depois, nos admiramos que o gosto popular endosse sem nenhum critério qualquer ritmo ou som barulhento que vem de fora. Mas fazer o quê? A porta estava aberta e a entrada foi facilitada. Sou escritor e me explico melhor contando histórias. Imaginem Ludwig van Beethoven batendo à porta de casa de qualquer morador, de vila ou cidade, e propondo: “Queria apresentar para o senhor e a sua família o Hino à alegria, que, como o senhor sabe, hoje é o Hino da Comunidade Europeia! Não é que eu queira me gabar sozinho, mas é uma música porreta! A letra é do escritor Friedrich Schiller, que ano passado completou 250 anos. Como o senhor deve saber, sou mais novo do que ele dez anos, e dia 17 de dezembro próximo completarei 240 anos”. Talvez o morador chamasse a polícia, pois Beethoven estaria maltrapilho, talvez com fome, pois no Brasil músico de qualidade não consegue viver com dignidade. Já outros tipos de cantantes, que fazem barulho a que chamam música, podem! Não sou contra eles, mas por que só eles podem viver de seu trabalho? Como veem, o ministro Temporão mais uma vez deu o que falar.
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