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quarta-feira, junho 22, 2011

FH em oito retratos

FH em oito retratos
RICARDO NOBLAT - O GLOBO
1. Sozinho em uma estação de trem da Europa, tendo deixado a Presidência da República há poucos meses, Fernando Henrique Cardoso notou que uma mulher, a alguns metros de distância, não tirava os olhos dele. Retribuiu o interesse.
A mulher, uma brasileira, finalmente se aproximou e disse: “Sei quem é você. Sei, sim. Você é um artista da Globo”.
2. FH era o líder do PMDB no Senado. E a “Veja” tinha um acordo com ele: às quintasfeiras, despachava um repórter para ouvi-lo em “off” sobre os temas mais candentes da semana. A jornalista Cecília Pires cumpriu esse papel em 1985. Mas quando voltou a procurá-lo em fevereiro do ano seguinte trocara a “Veja” pelo “Jornal do Brasil.” O que disse FH foi manchete de capa do jornal. Chamou Sarney de fraco e de incompetente. E conclamou o povo a exigir a redução do mandato de Sarney. Uma semana depois, o governo lançou o Plano Cruzado, que congelou preços e salários. Sarney virou um semideus. E pôs FH na geladeira. O cruzado não durou um ano. E logo FH voltou a espicaçar Sarney. A um repórter que lhe perguntou como via a crise, respondeu: “Viajou”. Sarney estava viajando.
3. Convidado em 1992 pelo presidente Itamar Franco para ministro das Relações Exteriores, FH deslumbrou-se com o cargo. Amava viajar e ser paparicado. Um dia, sua assessora de imprensa, a devotada Ana Tavares, adver tiu-o: “Você tem que cuidar de São Paulo, receber vereadores, desse jeito não se elegerá sequer deputado”. Dois anos depois, FH se elegeu presidente graças à força da nova moeda — o real. “Presidência da República não é meta, é destino”, lembrou-lhe mais de uma vez o senador Antônio Carlos Magalhães (BA).
4. Um dos primeiros compromissos da campanha presidencial de 1994 obrigou FH a falar para uma plateia de agricultores e políticos do PSDB de Juazeiro do Norte, Ceará. Contou que se opusera à ditadura militar de 64, fora preso, e que, por isso, perdera a cátedra.
Na hora dos cumprimentos, ouviu de um homem de voz grave, dono de um forte aperto de mão: “ Esse negócio de cátedra... Não se preocupe. Você é homem! É macho! Todo mundo sabe. E foi por uma boa causa.”
5. No fim do seu primeiro mandato como presidente, FH não aguentava mais ouvir José Serra criticar Gustavo Franco, diretor do Banco Central, do qual divergia por causa da política de câmbio. Um dia deu a entender a Serra que demitiria Franco. Demitiu o outro Gustavo, Loyola, presidente do banco. E nomeou Franco para o lugar dele. “ Eu era refém de Gustavo Franco, Se o tirasse de lá, precipitaria a desvalorização do real”, justificou-se FH. Alfinetou Serra: “Se eu fosse mulher e Serra me cantasse, eu daria logo para ele. Do contrário, minha vida viraria um inferno.”
6. Na noite em que se elegeu presidente pela segunda vez, FH jantou no Palácio do Alvorada na companhia de amigos. E vaticinou à sobremesa: “Meu sucessor vai sair da esquerda. Será Covas ou Lula. Covas está doente. Em breve, chamarei Lula para uma conversa.” Mário Covas (PSDB) era governador de São Paulo. Sofria de câncer. Morreu em 2001.
7. A campanha presidencial de 2002 estava pelo meio quando FH convidou Lula para uma conversa reservada . “ O que você acha? ” , perguntou Lula. “Acho que você vai ganhar. Mas precisa fazer um gesto para acalmar o mercado financeiro e o capital internacional”, respondeu FH. Pouco tempo depois, Lula divulgou a Carta aos Brasileiros onde prometia manter a política econômica de FH. Em telefonemas para os presidentes dos Estados Unidos, Bill Clinton, do FMI e do Banco Mundial, FH avalizou a promessa de Lula.
8. Antes de passar a faixa presidencial para Lula, FH admitiu que só haveria uma hipótese de, no futuro, ser candidato a um terceiro mandato: se o país fosse atingido por uma grande crise. Disputaria a Presidência para implantar o regime parlamentarista de governo. Não queria ser primeiro-ministro, mas Chefe de Estado.

segunda-feira, dezembro 27, 2010

O legado de Lula

O legado de Lula
Ricardo Noblat - O GLOBO
"Saio do governo para viver a vida das ruas. Homem do povo que sempre fui, serei mais povo do que nunca" – Lula
Na próxima sexta-feira sairá de cena o governo de um único protagonista! Entrará o governo dos coadjuvantes do governo passado. O período de oito anos de Lula foi construído sob medida para que ele, Lula, brilhasse sozinho. Deu certo. Nada indica que a história se repetirá no período de quatro ou de oito anos da presidente Dilma Rousseff.
Talvez seja melhor assim. O presidencialismo entre nós concentra poderes excessivos nas mãos de uma só pessoa. E isso não é bom para uma democracia que atravessa pela primeira vez dentro da normalidade três sucessões consecutivas. Fernando Henrique recebeu a faixa presidencial de Itamar e a repassou a Lula, que a repassará a Dilma.
O primeiro momento de Lula como presidente da República foi de natural perplexidade. Seria possível a um ex-pau de arara e ex-favelado, que passara fome e sequer completara os estudos, acabar eleito para governar seu país? Depois de ter sido derrotado três vezes, Lula custou a acreditar.
O segundo momento foi de pavor. Coincidiu com o escândalo do mensalão, que levou Lula, em julho de 2005, deprimido por uns tragos tomados a mais, a falar em renúncia ao mandato. Soubera que o publicitário Marcos Valério, um dos operadores do pagamento de propinas a deputados, ameaçava contar tudo.
O então ministro José Dirceu, chefe da Casa Civil, foi acionado para negociar o silêncio de Valério e assim sossegar Lula. Teve êxito. Mas dali a mais um mês ou dois, obrigado a pedir demissão, reassumiu a vaga de deputado federal para ser cassado. Enfim, era preciso entregar alguma cabeça coroada para que Lula preservasse a sua.
O terceiro momento de Lula na Presidência foi de esplendor. E de puro encantamento com ele mesmo. Reeleito em 2006, amparado por uma economia em expansão e idolatrado pela clientela dos programas sociais, passou a se comportar como um enviado de Deus. Ninguém mais do que ele alimentou o culto à própria imagem.
Por pouco não caiu na tentação de gastar parte de sua popularidade para vencer no Congresso a batalha por mais um mandato. Sondou a respeito governadores do PT e de outros partidos, além de auxiliares próximos. E aborreceu-se com alguns que se opuseram à ideia com veemência. Alô, alô, governador Jaques Wagner, da Bahia!
Está de saída porque não tem outro jeito. Mas deixa em seu lugar uma aliada fiel. Que a ele, unicamente a ele, deve sua eleição. E que ele espera que lhe seja fiel até o último dos seus dias na Presidência. Que dia será esse? Por ora, Dilma não faz ideia. Lula deve fazer, mas não conta a ninguém. Até porque pode mudar de ideia.
Lula abusa da credulidade dos brasileiros quando reescreve a história do país como se ela pudesse ser dividida em duas fases: antes dele e depois dele. Os desafetos de Lula incorrem no mesmo erro quando defendem a tese de que ele se limitou a dar continuidade à política herdada dos seus antecessores – além de ter tido muita sorte.
Nenhum presidente fez tanto pelos brasileiros mais pobres do que Lula – e esse será seu grande legado. Em oito anos de governo, o número de pobres foi reduzido a menos da metade. O programa Bolsa Família é uma invenção do governo anterior, eu sei. Mas foi com Lula que se expandiu e hoje atende a quase 13 milhões de famílias.
Quem elege os governantes numa democracia é o povo. Quem tem mais autoridade para julgá-los é ele. Lula foi tolerante e cúmplice com o desrespeito à moralidade pública? Foi. Mas nem isso o impediu de chegar ao fim do governo com a aprovação de 83% dos seus conterrâneos. Tamanho grau de aprovação é um equívoco? Bobagem!
É fato que o povo, só por deter a autoridade suprema numa democracia, não é necessariamente sábio. Mas aonde um regime de sábios, respeitando os direitos do povo, foi capaz de conduzi-lo a uma situação melhor? Recolha-se a São Bernardo do Campo, Lula! Tome uma por mim. E deixe Dilma acertar ou errar em paz.

Skoob

BBC Brasil Atualidades

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