sexta-feira, julho 30, 2010

Masha Hamilton: "A mulher afegã não sente que haverá um Talibã moderado"

Masha Hamilton: "A mulher afegã não sente que haverá um Talibã moderado"

A escritora Masha Hamilton, fundadora do Projeto de Literatura de Mulheres Afegãs, conta de onde veio sua inspiração e fala sobre os temores das mulheres afegãs para o futuro do país

José Antonio Lima 30/07/2010 - 08:38

A jornalista e escritora americana Masha Hamilton tem na literatura uma de suas maiores paixões. Em meio ao trabalho como escritora de livros como 31 hours e The Camel BookMobile e como correspondente da agência de notícias Associated Press no Oriente Médio e na Rússia, ela atuou em dois projetos cujo foco é a literatura.
O primeiro é o Camel Book Drive (algo como Biblioteca Ambulante de Camelo). Em fevereiro de 2006, enquanto escrevia um livro sobre as pessoas que levam, de camelo, livros à população do Quênia, ela iniciou uma campanha de doações que fez chegar quase 7 mil livros para os responsáveis pelo projeto. Em maio de 2009, Masha apostou em uma iniciativa própria, o Projeto de Literatura de Mulheres Afegãs (AWWP, na sigla em inglês) – leia a reportagem A voz das afegãs.
O AWWP começou como um programa de dez semanas, mas devido ao interesse das mulheres afegãs, Masha recrutou outras escritoras, jornalistas e professoras para realizar workshops com as interessadas. O projeto cresceu e hoje é uma das poucas formas que as mulheres afegãs têm para se comunicar com o resto do mundo leia a tradução de alguns textos publicados no site
Em entrevista a ÉPOCA, Masha fala sobre o projeto e sobre a situação das mulheres no Afeganistão ocupado e sobre as perspectivas que elas têm após o fim da ocupação liderada pelos Estados Unidos.
ÉPOCA – Como você teve a ideia de realizar este projeto?  Masha Hamilton - A ideia original nasceu em 1999, quando vi um vídeo divulgado pela agência de notícias Associated Press que mostrava uma mulher de burca ajoelhada em um campo de futebol em Cabul, sendo executada com três tiros de fuzil AK-47 na cabeça. Quando tentei ler mais sobre sua história, muito pouca coisa estava disponível. Entendi a partir disso que as vozes das mulheres estavam sendo silenciadas. Elas não estavam apenas sendo escondidas atrás das burcas, mas suas histórias não estavam sendo contadas. Depois, suas histórias passaram a ser contadas por homens, ou pela mídia, mas não diretamente por elas.

ÉPOCA – Como foi o começo? Como você convenceu a primeira mulher a escrever?  Masha – Eu estive em Cabul duas vezes e conheci pessoalmente muitas dessas mulheres. Outras eram amigas de amigas e comecei a ensiná-las a escrever sozinha, por meio de aulas online por cerca de dez semanas. Mas o interesse delas era muito grande, elas queriam continuar e foi assim que eu comecei a pedir a ajuda de outras pessoas.

ÉPOCA – Quais são as maiores dificuldades que elas têm para escrever?  Masha – As dificuldades aparecem em muitos dos textos. Uma das escritoras mora em uma província controlada pelo Talibã e precisa andar quatro horas por áreas controladas por eles para conseguir uma conexão com a internet. Nós demos a ela um laptop para escrever seus poemas e textos, mas a conexão fica muito longe. Ela conta com a ajuda do irmão, que faz a caminhada de quatro horas a seu lado. Geralmente ela fica na casa de uma amiga, passa a noite lá e volta para casa no outro dia.

ÉPOCA – A condição das mulheres é melhor na capital, Cabul?  Masha – O Afeganistão está mudando neste momento, e a vida das mulheres está ficando mais difícil. Nos últimos meses temos visto que o norte do país está caindo sob controle do Talibã. Mesmo em Cabul, onde há uma liberdade relativa, as mulheres geralmente não podem entrar em cafés com internet.

ÉPOCA – Você diria que o Afeganistão é o pior país do mundo para ser mulher hoje?Masha – É indiscutivelmente um dos piores lugares para ser mulher hoje em dia.

ÉPOCA – O presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, tem um programa de reconciliação e reintegração com os líderes do Talibã. O que você pensa sobre isso?  Masha – O que eu acho não é tão importante, mas sim o que elas pensam sobre isso. E nos textos é possível ver que há grandes preocupações. Enquanto talvez, talvez eu repito, nós possamos falar sobre um Talibã moderado politicamente com o qual os Estados Unidos ou o governo Karzai possa negociar, essas mulheres não sentem que haverá um Talibã moderado que vai preservar seus direitos de estudar, trabalhar ou mesmo de sair de casa para ir ao médico.

ÉPOCA – Em 2001, quando houve a invasão, destruir o Talibã aparentemente era um objetivo dos Estados Unidos. Hoje esse não parece mais ser o caso. Qual será o destino das mulheres afegãs quando a ocupação acabar?  Masha – Essa preocupação também aparece nos textos que elas escrevem. Há uma carta para o presidente [dos Estados Unidos, Barack] Obama pedindo que as tropas deixem o país, mas que um sistema educacional seja montado. Algum sistema que permita que as mulheres e homens sejam educados e que permita que a população afegã mude sua própria sociedade de uma forma que vai preservar seus direitos e sua fidelidade ao Islã. O que se houve delas é que mudanças impostas por estrangeiros não serão nem efetivas nem apreciadas pela população.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Skoob

BBC Brasil Atualidades

Visitantes

free counters