quarta-feira, agosto 25, 2010

As janelas quebradas do sigilo

As janelas quebradas do sigilo
O GLOBO Catarina Alencastro e Roberto Maltchik
Juiz manda Receita abrir para tucano investigação sobre vazamento de seus dados fiscais
A Justiça Federal determinou que a Receita Federal dê ao vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, acesso às investigações sobre o vazamento de seus dados fiscais. "O Brasil convive há muito tempo com janelas quebradas na vizinhança da proteção ao sigilo", diz a sentença do juiz Antonio Claudio Macedo da Silva. A Receita entregou a Eduardo Jorge dois CDs com dados das investigações. Para o tucano, o vazamento saiu da campanha petista. O PT nega.
"Não a um Estado Leviatã"
Juiz ordena que Receita dê a tucano acesso à investigação sobre vazamento de seus dados

A Justiça Federal determinou ontem à Receita Federal que entregasse, no prazo de duas horas, as informações levantadas no curso da sindicância que apura o vazamento de dados sigilosos do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira. Os dados fiscais do tucano foram usados num dossiê supostamente montado por integrantes da campanha da petista Dilma Rousseff, que nega envolvimento.
Além de poder tirar cópias de tudo o que já foi levantado na sindicância da Receita, a Justiça Federal determinou que, a partir de agora, Eduardo Jorge terá o direito de acompanhar todo o processo administrativo para identificar os responsáveis pelo vazamento.
O tucano afirma que seus dados fiscais foram vazados e enviados para o comitê de campanha de Dilma Rousseff. Em sua decisão, o juiz Antonio Claudio Macedo da Silva lembra que o poder público deveria proteger os dados dos cidadãos, e não expô-los, como aconteceu. Ele diz que alguns setores do governo mantêm uma relação promíscua com jornalistas, o que, de tão banal, não tem causado indignação na sociedade.
"Não se pode admitir um Estado Leviatã, no qual tudo que é sigiloso vaza para a imprensa, a exemplo de processos e investigações criminais, bem como dados derivados de quebra judicial de sigilos fiscal, bancário, telefônico e telemático, os quais têm sido veiculados indevidamente, ainda que legalmente protegidos por hipótese de sigilo", argumentou o juiz, citando a obra do filósofo inglês Thomas Hobbes, publicado em 1651, cujo título se deve ao monstro bíblico Leviatã. "Penso que o Brasil convive há muito tempo com janelas quebradas na vizinhança da proteção ao sigilo, havendo uma relação promíscua entre setores da administração pública e setores da imprensa", escreveu.
Juiz se sentiria "desnudado"
O juiz chega a se pôr no lugar de Eduardo Jorge, parafraseando um trecho do livro "O processo", de Franz Kafka, cujo personagem é acusado de um crime que não cometeu. O magistrado afirma que, se descobrisse seu sigilo fiscal quebrado ao folhear um jornal, provavelmente se sentiria "desnudado e ultrajado". "Não sei se me sentiria desnudado, ultrajado ou ambos os sentimentos invadiriam o meu ser. De plano, com certeza, me lembraria do Leviatã hobbesiano ou do big brother de George Orwell, em "1984". A primeira pergunta seria: que Estado é esse?"
A Receita resistira, tentando liberar os dados somente ao final da apuração. E sustentara que permitir o acesso à sindicância poderia "trazer danos ao interesse público". Mas o juiz não concordou. Os dados foram entregues a advogados de Eduardo Jorge ontem mesmo. Para o tucano, porém, a Receita continuará fazendo "o que quer", e não haverá conclusão alguma sobre o vazamento:
- Acho que a Receita está fazendo uma enrolação. Continuo em desvantagem. A gente não tem acesso às provas. Eles fazem o que querem.

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