quarta-feira, agosto 25, 2010

Parteiras tradicionais: um retorno à valorização do parto natural

Parteiras tradicionais: um retorno à valorização do parto natural
Entrevista especial com Paula Viana
Expectativa, medo, curiosidade, angústia, planejamentos... toda mulher grávida vive um misto de sentimentos na esperança de que seu bebê esteja e seja saudável, que seja uma pessoa boa, um ser humano de bom coração, que venha ao mundo de forma tranquila, sem sofrimento. Enquanto algumas mulheres, pensando na segurança do filho, escolhem o parto no hospital, algumas vezes através de cesárea, hoje muitas mães querem um parto mais humanizado e natural e algumas têm optado pelo acompanhamento das parteiras tradicionais. Aproveitando o Encontro Nacional Parteiras Tradicionais: Inclusão e melhoria da qualidade da assistência ao Parto Domiciliar no SUS, a IHU On-Line entrevistou, por telefone, a enfermeira e parteira Paula Viana. “Uma vez, no interior do Amazonas, conversei com uma médica e uma parteira. E a médica perguntou: ‘qual é a diferença do meu atendimento para o seu?’. Desta forma, a parteira respondeu: ‘a diferença é que você tem pressa e eu não’”, relatou.
Paula Viana é enfermeira-obstetra em Recife (PE), faz partos domiciliares e coordena o Grupo Curumim, uma organização não governamental feminista que desenvolve projetos de fortalecimento da cidadania das mulheres em todas as fases de suas vidas.
Confira a entrevista.
Em que sentido a parteira é mais humana do que o médico em relação ao parto? Paula Viana – A parteira representa o elo entre a comunidade e o Sistema Único de Saúde (SUS). Elas têm um trabalho de atenção integral à saúde da mulher e da criança, pois acompanham toda a gravidez, conhecem a vida das famílias, chamam-nas pelo nome e representam o mesmo nível social e econômico dos clientes, o que aproxima ainda mais a parteira da mãe. Isso é fundamental para o momento da gravidez, do parto e do pós-parto. O parto não é só um evento médico, é um evento social e familiar que tem a mulher como protagonista. Então a parteira tem essa capacidade de interagir de forma mais humana, no sentido do pensamento mais holístico. Não que não haja médicos que façam assistência desse tipo. Porém há uma distância maior entre médicos e médicas e as mulheres das comunidades indígenas, ribeirinhas, quilombo, floresta, onde estão as parteiras tradicionais. Elas têm muito o que ensinar para nós. Uma vez, no interior do Amazonas, conversei com uma médica e uma parteira. E a médica perguntou: “qual é a diferença do meu atendimento para o seu?”. Desta forma, a parteira respondeu: “a diferença é que você tem pressa e eu não”. As parteiras não têm pressa mesmo, elas acompanham a mãe e isso torna o parto mais humano.
Você pode descrever o panorama geral da situação das parteiras tradicionais no mundo? Paula Viana – Há um movimento internacional das parteiras, que reúne parteiras de vários países da América do Sul, do Canadá, do México, Europa. Esse movimento busca a valorização dessas trabalhadoras em saúde e também respeito às suas tradições. A tecnologia, quando entrou na sala de parto, veio para ajudar. Nós agradecemos porque existe a possibilidade da cesárea para que possamos salvar vidas. No entanto, essa tecnologia afastou a ideia do parto como um evento antropológico e social. A luta do movimento internacional é para que a parteira seja vista como uma aliada. Ela tem que ensinar ao sistema público de saúde, mas ela também tem que aprender.
Hoje, quando e como uma mulher se torna parteira? Paula Viana – Existem alguns tipos de parteiras: tem a enfermeira-obstetra, que é uma parteira. Eu mesma sou uma enfermeira-obstetra, uma parteira domiciliar. Existe a parteira que faz um curso técnico de três anos que é treinada só para o parto normal e tem formações originais diferentes. Já a parteira tradicional é aquela formada pela experiência. Algumas dizem: “eu aprendi no susto”. Aqui no encontro há 26 parteiras tradicionais e 34 enfermeiras e médicos. Essas 26 trazem relatos muito interessantes quanto a sua formação. Uma disse que começou aos 12 anos de idade. Ela foi chamada numa primeira ocasião, depois é chamada de novo e com isso vão pegando experiência. A teoria é importante, a parte tecnológica da obstetrícia é fundamental, mas o que conta mesmo é o conhecimento empírico. Um dos intuitos desse encontro é dizer o quanto é importante que essas parteiras tradicionais repassem seus conhecimentos às mais novas.
O que acontece quando um parto dá errado? A quem a parteira pode recorrer? Paula Viana – Esse encontro é a finalização de um processo que dura dez anos. Ao longo desse período percebemos que as complicações não acontecem porque a parteira está atendendo. Os problemas ocorrem porque não existe um sistema de saúde apoiando. A parteira que faz parte dos cursos e recebe material sobre cuidados tem a capacidade de acompanhar fatos que podem complicar na hora do parto. Se a mulher faz um pré-natal de qualidade e a parteira está próxima e ocorre algum problema, ela consegue diagnosticar precocemente. Quando o município dá apoio, certamente dispõe de sistema de transporte que possa levar em tempo a mulher e o bebê ao hospital. Hoje, a mortalidade materna e neonatal não tem relação com o trabalho da parteira tradicional,
Qual a sensação quando um parto dá errado? Paula Viana – Ela se sente muito impotente. Muitas vezes as parteiras, como falei antes, têm um nível econômico muito parecido com o da mulher que está atendendo. Quantas e quantas parteiras que conheci colocam dinheiro do próprio bolso para pagar uma gasolina, o aluguel de um carro para levar a mulher a um hospital ou mesmo levá-la até a casa da grávida. Mas a parteira tem limites. E esse encontro que estamos fazendo em Brasília serve, justamente, para que o SUS, o Ministério da Saúde, os governo municipais e estaduais incluam o trabalho da parteira tradicional nas suas políticas.
Como a parteira se prepara para ajudar a mulher no momento do parto? Paula Viana – Há tantas formas. Há uma diversidade enorme de formações no Brasil. Assim, as mulheres se preparam no embate, no dia a dia, a partir do seu conhecimento. Estados como Amazonas, Pernambuco, Paraíba, Acre, Pará têm dado material para as parteiras. Assim, elas têm bolsa para carregar seus materiais, recebem instruções para esterilização do material e acomodação de equipamento. Elas se preparam na vida e aproveitando esses cursos e encontros que estão sendo realizados.
Como foi o processo para tornar responsabilidade do SUS o nascimento domiciliar assistido por parteira?  Paula Viana – Desde 1940 existem políticas que visam tornar a parteira parte do sistema. Em 1991, foi escrito um Programa Nacional de Parteiras Tradicionais e iniciou-se nos estados uma série de ações, capacitações, cursos. Já a partir de 2000, que é o processo que estamos finalizando agora, esse trabalho se voltou muito aos municípios, colocando para eles suas responsabilidades. É preciso saber quem, lá na comunidade, gerencia a saúde da população e o responsável é o município. Está presente aqui no encontro uma representante do Conselho Nacional de Secretários Municipais. Esse processo é lento. As parteiras reivindicam uma remuneração pelo trabalho e até hoje pouquíssimos municípios tornaram isso realidade. Poucos também forneceram material e as vincularam ao sistema de saúde. Isso tudo faz parte da nossa luta. Nós sabemos que aos poucos vamos superando as barreiras, um dos maiores é o corporativismo médico. As parteiras não querem substituir ninguém, mas elas existem e precisam do apoio do SUS que tem que dar conta tanto de UTIs neonatal de alta tecnologia quanto àquele parto feito na beira do rio feito com luz de candeeiro. Esse é um direito básico nosso como cidadãs brasileiras.
Por que está ficando mais forte hoje o retorno às parteiras? Paula Viana – Esse movimento também se deve às parteiras. Elas sempre existiram. Porém, estão ganhando mais repercussão porque algumas organizações do movimento feminista têm dado mais atenção à questão atualmente uma vez que as parteiras representam um retorno ao parto normal e a valorização do parto natural.   Fonte: Unisinos

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