terça-feira, agosto 31, 2010

Envelhecimento da população desafia o mercado de trabalho

Envelhecimento da população desafia o mercado de trabalho
Interesse pela mão de obra de idosos cresce, mas não acompanha acelerado avanço da faixa etária
Chico Otavio – O Globo

Procura-se profissional acima dos 60 anos... Para um mercado de trabalho que insiste em enxergar o Brasil como um país jovem, o anúncio de emprego pode sugerir um trote. Mas não é. Gente como o comerciante Antônio Fiori, a empresária Márcia Lima Gabionetta e a assistente social Renata Hauck faz parte de um pequeno, mas promissor, grupo de empregadores que resolveu trocar o vigor da juventude pela experiência e a assiduidade dos mais velhos. Para as vagas abertas em seus negócios, eles optaram pelo trabalhador idoso.
As projeções indicam que o país a ser revelado pelo Censo 2010 do IBGE terá um contingente de 14 milhões de idosos. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) reforçam o fenômeno: se a população total cresce à taxa de 0,9% ao ano, o incremento de pessoas acima dos 60 anos avança quatro vezes mais (3,8% anuais).
Para muitos, os números sinalizam um problema quando cruzados com as contas da Previdência ou com o sistema de saúde. Há outros, porém, que preferem entendêlos como nicho de negócios: — O retorno é garantido. Os idosos são pessoas responsáveis e centradas. Não dão trabalho, não faltam. Já os jovens têm outras ambições, como as baladas do fim de semana — afirma o comerciante paulista Antônio Fiori, dono de uma fornecedora de areia e pedras, que acaba de contratar um idoso para gerente.
Como o país está envelhecendo, o desafio civilizatório que se impõe, preveem os demógrafos, é aumentar a idade produtiva da população. Em vez de estimular a ociosidade da terceira idade ou alterar o fator previdenciário, para evitar que o equilíbrio atuarial fique insustentável, a alternativa seria dotar os idosos de capacidade física para adiar a retirada da vida produtiva.
— O Brasil não estava preparado para envelhecer. Se a perspectiva era se aposentar e viver no máximo oito anos, hoje a pessoa chega a ter mais 20, 30 anos de vida. Nenhuma sociedade pode jogar fora essa mão de obra — diz o médico Renato Veras, diretor da Universidade Aberta da Terceira Idade (Unati/Uerj).
No caminho de volta ao mercado, o aposentado tem deixado a carteira de trabalho em casa. Quase metade dos trabalhadores ocupados acima dos 60 anos (44%) é autônoma, enquanto 31,4% são assalariados, 9,8%, empregados domésticos e 9,7%, empregadores.
— Há dois tipos de idosos no mercado informal: o mais escolarizado, que geralmente é um profissional liberal e se beneficia de sua experiência, e o menos escolarizado, que encontramos muito na agricultura — explica a economista Ana Amélia Camarano, coordenadora de Pesquisa em População e Cidadania do Ipea.

No ano passado, 55% da população masculina entre 60 e 69 anos ainda trabalhavam. Muitos, principalmente nas faixas de renda mais baixas, prolongaram a idade produtiva para reforçar a diminuta aposentadoria quando a família cresceu.
Um deles é Horacildo de Castro, de 69 anos, que virou homemplaca pelas ruas de São Paulo.
Ex-metalúrgico da Mafersa, Horacildo passou em casa os primeiros anos da aposentadoria, na década de 90. Até que a sua mulher resolveu adotar uma recém-nascida.
Desde então, o velho operário do aço trabalha com outros metais: fica nove horas por dia na rua para ganhar R$ 20 anunciando a compra de ouro, platina e brilhantes.
— Sem o biscate, não daria para criar a menina. Carrego a placa faça chuva, faça sol. Os seguranças das lojas vivem me tocando para outro lugar — diz o homem-placa, cuja filha de criação já tem 15 anos.
Mas, apesar das intempéries, Horacildo segue em frente. E é isso que encanta os empregadores que têm optado pela terceira idade.

Com o idoso, não há tempo ruim.
Principalmente quando o desafio profissional é conviver com pessoas da mesma idade.
A assistente social Renata Hauck ajudou a tia, médica, a procurar uma aposentada para ser funcionária do seu consultório, em Belo Horizonte: — Jovens têm sempre problemas.

O namorado ou o filho pequeno.
Se faltam, não há como minha tia fazer os procedimentos do consultório.
Aposentada não tem filho pequeno. Contratamos uma senhora simpática, com experiência de vida. Passa algo agradável às pacientes na sala de espera.
O aposentado representa um baixo custo. Não faz questão de carteira assinada e vê o salário como um complemento de renda. Há casos em que nem salário é necessário.
Com vasta experiência acumulada, saúde e vontade de contribuir, o aposentado abraça o voluntariado.
Na prefeitura de Niterói, por exemplo, os responsáveis por licitações suam frio quando chega o aposentado Guilherme Magalhães.
Ele é um dos trabalhadores idosos qualificados que fazem da experiência a senha para o reingresso na vida produtiva. Ex-gerente de Negócios do Banco do Brasil, onde trabalhou por 32 anos, Magalhães é hoje fiscal voluntário do Observatório Social da cidade, ONG de olho nas contas municipais.
— As pessoas não acreditam que você pode mudar a realidade.
Além disso, precisamos nos sentir produtivos, mesmo sem remuneração — orgulha-se Magalhães.
Não são poucos os casos de aposentados que, sentindo-se produtivos, encontraram as portas do mercado fechadas ou quebraram a cara ao tentar um negócio. O paulista Luiz Pinto Cepinho, também bancário, aderiu ao plano de demissões voluntárias do BB, montou restaurante e faliu.
Hoje, sobrevive como fotógrafo de festas, e luta para voltar ao BB pela via judicial.
Demissões espontâneas, aposentadoria compulsória e outros mecanismos encurtam a vida ativa de milhares de trabalhadores.
Há lugares, porém, em que a experiência com os mais velhos foi tão boa que motivou a continuidade: — Perdi um serralheiro que ainda trabalhava quando morreu aos 80. Para substituí-lo, quero outro idoso — diz a empresária Márcia Lima Gabionetta, dona de uma fábrica de tendas e barracas para feiras.

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