terça-feira, agosto 31, 2010

‘Ninguém se importa com histórias de soldados’, diz veterano do Iraque

‘Ninguém se importa com histórias de soldados’, diz veterano do Iraque
Fred Minnick foi soldado e fotógrafo do Exército americano em 2004.
Volta para casa, segundo ele, foi mais difícil que a guerra.

“Enfrentei um inimigo muito mais mortal que a granada que quase me matou, as balas ou os morteiros”, contou ele ao G1. “Fui diagnosticado com uma forma severa de transtorno de estresse pós-traumático. (...) Eu odiava que a sociedade se importasse mais com os problemas legais de Martha Stewart [uma apresentadora de TV americana] do que com os soldados”, afirma.
G1 publica uma série de reportagens sobre os sete anos de ocupação norte-americana no Iraque. Leia também o raio-X da guerra e indicações de livros e filmes para entender o conflito.
Meu trabalho permitiu que eu observasse a guerra de todos os ângulos"
Fred  Minnick
Minnick chegou ao Iraque com 27 anos, em janeiro de 2004, e uma tarefa diferente da maioria de seus colegas: era fotógrafo. Sua missão era acompanhar as tropas de infantaria e registrar as operações de combate, antes, durante e depois. Embora estivesse armado e de farda, seu principal instrumento de trabalho era a câmera.
“Meu trabalho permitiu que eu observasse a guerra de todos os ângulos e me deu a oportunidade de contar a história de nossos heróis”, afirma.
Na volta aos Estados Unidos, no entanto, Minnick descobriu que os americanos não queriam ouvir essa história. “Quase que imediatamente ao voltar para casa, em janeiro de 2005, meus problemas começaram”, conta, sobre o estresse pós-traumático.
Em um dos pesadelos que teve com o Iraque, ele conta que acordou do lado de fora da casa dos pais, abraçado a uma árvore gritando que “eles estavam por toda a parte”.
“Eu queria poder dizer que os pesadelos eram a única coisa me impedindo de dormir ou de me reajustar. Mas eu bebia o máximo que podia e evitava encontrar meus amigos”, conta. “Quando as pessoas se interessavam [pelo Iraque], perguntavam apenas coisas como ‘você matou alguém?’, ‘você acha que nós devíamos estar lá?’”, lembra Minnick.
“Uma vez, depois que o meu time de basquete perdeu o campeonato, bebi várias garrafas de cerveja. Comecei a chorar no bar porque eu não conseguia nem mesmo lidar com a derrota em um jogo de basquete,” conta.
Para superar o trauma, um de seus terapeutas (“demorei para escolher um de quem eu gostasse”, conta Minnick) sugeriu que ele “contasse sua história”.
Ele se demitiu de seu emprego e se mudou para uma cidade do interior, onde escreveu o livro “Camera Boy”, com as suas memórias da guerra.
“Colocar minhas experiências no papel fez eu me sentir melhor. Eu pensava que o mundo iria ouvir minha história e a história dos meus amigos que morreram. Eles iriam conhecer Samir, nosso intérprete iraquiano que foi assassinado e ele não seria esquecido. Nunca acreditei que minha história era mais especial do que a de qualquer outro soldado, mas ela é minha e eu tenho orgulho do que fiz. Tenho orgulho de preservar a memória dos meus amigos caídos”, conta.
“Mas logo descobri que as editoras eram a mesma coisa que o resto da América: ninguém se importava com o Iraque ou, mais precisamente, com as histórias dos soldados”, conta.
Minnick levou “Camera Boy” a centenas de editoras, segundo ele, incluindo uma das maiores de Nova York, onde um agente teria dito que gostava do livro, mas que não conseguiria vendê-lo.
“’As editoras estão perdendo dinheiro com livros sobre o Iraque e você é um ninguém’, ele me disse, indicando que eu não era um general, um político ou um jornalista do "New York Times". Ele disse que poderia haver algum interesse se eu tornasse ‘Camera Boy’ ‘anti-Bush’ ou crítico da mídia. Demiti o cara”, conta.
Foram mais de cem rejeições ao longo de um ano, segundo ele. “Passei muitas noites acordado pensando porque ninguém se importava com o Iraque. Meus amigos morreram por nada? Meu tempo ali não significou nada?”, diz Minnick.
Somente após três anos, uma pequena editora militar entrou em contato com Minnick sobre a possibilidade de publicar seu livro. “Nunca tive fantasias de que ‘Camera Boy’ fosse me tornar rico ou famoso ou importante. (...) Quando fiz as contas entre o tempo que eu gastei escrevendo e o quanto eu ganharia, percebi que provavelmente terei cerca de dez centavos por hora”, afirma.
Mas o livro nunca foi sobre o dinheiro. Eu queria apenas preservar as histórias dos meus amigos para que talvez as pessoas apreciassem um pouco mais o sacrifício dos soldados. Nós, veteranos, demos tanto por nosso país. O mínimo que as pessoas podem fazer é ouvir nossa história”, conta.

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