sábado, agosto 28, 2010

Lula prejudicou sua imagem com a esquerda

Lula prejudicou sua imagem com a esquerda

O Globo - 27/08/2010 - Helena Celestino e Renata Summa
Líder do Maio de 68 apoia o Partido Verde e critica presidente brasileiro por relação com Ahmadinejad, Chávez e Fidel
Daniel Cohn-Bendit
Dani, O Vermelho, continua irreverente. Trocou a revolução pelo movimento verde mas ainda tenta pensar o mundo de uma maneira não convencional. Ícone do Maio de 68, Daniel Cohn-Bendit, aos 65 anos, continua uma estrela da política, agora como líder da coalizão Europe Ecologie. Franco-alemão, foi único deputado a ser eleito para o Parlamento Europeu quatro vezes, duas pela França e duas pela Alemanha. Veio ao Brasil para apoiar os candidatos verdes Marina Silva e Fernando Gabeira. Num café da manhã, no Leblon, ele se disse cansado da política e do simplismo que tomou conta do debate europeu.
Na França, se você é pela aposentadoria a 60 anos, é considerado de esquerda, e se defende aos 62, é de direita. Não é esse debate que deveríamos ter lamenta.
O GLOBO: Qual foi a reação na Europa à relação de Lula com o iraniano Ahmadinejad?  DANIEL COHN-BENDIT: A ideia de encontrar uma solução com a Turquia para o problema iraniano foi bem-vista. Mas a cumplicidade de Lula com Ahmadinejad, Fidel ou Chávez é um problema, porque mostra que não tem sensibilidade sobre o problema do totalitarismo e o tema da democracia. Comparar presos políticos a traficantes é uma coisa de doente. A relação de Lula com esses líderes prejudicou sua imagem com a esquerda europeia. Eu não sou contra manter relações com eles. Um político inteligente deve poder diferenciar as relações.
Eu acho importante que o Brasil denuncie o embargo americano contra Cuba. Nós fizemos isso no Parlamento Europeu, mas, ao mesmo tempo, denunciamos as violações de Fidel aos direitos humanos.
O GLOBO: A França dos Direitos Humanos voltou a fazer os voos com imigrantes deportados, desta vez os ciganos. Qual a sua reação?  COHN-BENDIT:Na volta do Parlamento Europeu, uma das primeiras discussões será sobre isso. Já denunciei que (Nicolas) Sarkozy é um cínico, o problema dos ciganos é um problema europeu, é preciso dar uma cidadania europeia aos ciganos. A política atual de Sarkozy só beneficia a extrema-direita. A maneira de Sarkozy de expulsá-los, dizer que não é seu problema, é desumana. Precisa ver como eles vivem na Romênia, é desumano
O GLOBO: Mas toda expulsão de imigrantes não é desumana?  COHN-BENDIT: Mais ou menos. Vou dar um exemplo. Existem famílias de imigrantes que foram morar na França. Os filhos frequentam escolas na França, até que um dia recebem a ordem de expulsão. Ou seja, eles são expulsos do próprio país, no caso, a França, porque não conhecem seu país de origem. O governo diz que expulsou imigrantes, mas eles expulsaram franceses. O governo atual não entende isso. Há diferentes graus. Uma coisa injusta, às vezes, vira desumana: é o que acontece com os ciganos.
O GLOBO: Com a crise, mesmo os governos europeus de esquerda reduziram benefícios sociais.... COHN-BENDIT: Sim, sobretudo a Espanha e a Grécia. No caso da Espanha, o que é trágico é que há muito tempo se diz que a estrutura econômica não aguentaria, dependia demais do mercado imobiliário. Zapatero está pagando pela sua cegueira econômica. No caso de (Georgios) Papandreou, ele paga pela política de direita, e também pelo fato que o FMI e os países europeus têm uma visão unilateral de como e em que ritmo as reformas na Grécia são feitas. O problema da sociedade grega é que ninguém se identifica com o bem comum, ninguém quer pagar imposto.
O GLOBO: E na França? Vão conseguir aprovar a reforma da aposentadoria?  COHN-BENDIT: Esse é um problema global. Se você é classe média, não falo dos operários, e se aposenta aos 60 anos, sabendo que vai viver até os cem, o que você faz? Dorme um ano. No ano seguinte, visita as ilhas gregas. Se você é de esquerda, então visita também as ilhas turcas. E depois disso, faz o que? Nossa sociedade não está preparada para essa explosão de tempo de vida. A proposta de Sarkozy de aumentar a idade mínima de aposentadoria para 62 anos é inaceitável, já que 70% dos franceses entre 57 e 60 anos estão desempregados.
Na França, se você é de esquerda, defende a aposentadoria aos 60; se é de direita acha que deve ser aos 62. Precisamos rever completamente a organização da vida e do trabalho. Podemos, por exemplo, começar a diminuir a jornada de trabalho a partir dos 55 anos
O GLOBO: Mas quem vai querer pagar salário integral para alguém trabalhar meio tempo?  COHN-BENDIT: Não tenho a solução no meu bolso. Mas podemos propor, por exemplo, que o patrão pague uma parte do salário e o fundo de pensão complemente.
O GLOBO: Alguns comentaristas afirmam que os socialistas não venceriam a eleição de 2012 na França sem o apoio dos verdes. Haverá uma aliança?  COHN-BENDIT: Sim. A negociação com os socialistas agora é para termos candidatos comuns entre socialistas e verdes em ao menos 80 das 570 circunscrições. Como nós tivemos um bom desempenho nas eleições regionais e nas europeias, os socialistas sabem que não podem ganhar sem nós. Mas teremos candidato próprio a presidente, provavelmente será Eva Joly, uma jurista nascida na Noruega. Ela tem 10% nas pesquisas.
O GLOBO: O senhor disse recentemente estar cansado da política. Vai parar?  COHN-BENDIT: Há 40 anos que estou aqui, fazendo política. Estou cansado dos mesmos debates. Quero parar e fazer um filme sobre o que acontecerá no Brasil se o país perder a Copa de 2014. Todos aqui dizem que o país vai ganhar, do mais rico ao mais pobre, mas o Brasil tem 50% de chances de ganhar. E se não ganhar? Qual é a estrutura mental e psicológica do país para aceitar uma possível derrota?

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