segunda-feira, agosto 16, 2010

Tony Judt - (1948-2010)

Tony Judt - (1948-2010)
Um intelectual sem medo de fazer críticas
Ivan Martins – época
Em 11 de fevereiro deste ano, o historiador britânico Tony Judt - Judt, fotografado em Madri, em 2006 - publicou, na revista The New York Review of Books, um texto em que se dizia “livre para contemplar, com mínimo desconforto, o progresso catastrófico da minha própria destruição”. Ele sofria, havia dois anos, de uma doença degenerativa incurável chamada esclerose lateral amiotrófica. Ela destrói os neurônios motores e provoca paralisia gradual de todos os músculos. “Tornei-me um monte de músculos mortos que pensa”, disse. Judt morreu em Nova York no último dia 6 de agosto. Tinha 62 anos.
Os brasileiros reconhecerão seu nome por dois livros: Pós-guerra, uma história da Europa desde 1945, publicado em português em 2008, e Reflexões sobre um século esquecido, deste ano. O primeiro é um catatau de 1.000 páginas, espantosamente erudito, que pôs seu autor na relação restrita dos grandes historiadores europeus. O segundo é uma coleção de ensaios corrosivos em que ele dispara, à esquerda e à direita, contra seus alvos favoritos: a ortodoxia, o fanatismo, a amnésia histórica e o oportunismo político. Muito antes disso, ele já se distinguira, como acadêmico e como polemista, na Europa e nos Estados Unidos, pela vastidão de sua cultura, por sua mente poderosa e por seu caráter ferozmente independente. “Poucas pessoas no mundo anglo-saxão podem chamar a si mesmas de ‘intelectuais’, como se faz no continente europeu, sem se sentir meio estranhas”, escreveu a revista The Economist. “No caso de Judt, a palavra merecia um I maiúsculo.”
Criado num bairro judaico do sul de Londres, Judt entrou na Universidade de Cambridge por convite, em meados dos anos 1960, antes mesmo de prestar seus exames finais no colégio. No início do curso, explodiu a Guerra dos Seis Dias, em Israel, e o jovem sionista saltou no primeiro avião e passou o conflito como intérprete. Voltou da guerra menos entusiasmado com o país fundado por Ben Gurion. Com o passar dos anos, se tornaria crescentemente crítico em relação ao tratamento dado aos palestinos e ao comportamento do lobby pró-Israel nos Estados Unidos, para onde se mudou definitivamente em 1987. Um artigo de 2003, no qual escreveu que Israel se tornara “um Estado étnico, beligerantemente intolerante e guiado pela fé”, lançou-o no centro de uma tempestade ideológica. Judt, tipicamente, pareceu não se importar. “Fora da Universidade de Nova York, sou considerado um esquerdista maluco e um judeu que odeia judeus”, afirmou. “Gosto disso. Faz com que me sinta confortável.”
A mente continuava ágil, embora prisioneira
de uma cela que encolhia 15 centímetros por dia
A aparente contradição de suas posições nunca o inibiu. Os amigos dizem que exigia de si mesmo criticar os grupos a que sentia pertencer. Orgulhoso de sua herança judaica, indispôs-se com Israel. Socialista até o fim da vida, denunciou sem trégua o stalinismo e seus simpatizantes. Europeu até a medula, polemizava com a burocracia da União Europeia, que considerava antidemocrática. Escolheu viver nos Estados Unidos sem abrir mão de atacar George W. Bush ou Barack Obama. Escreveu como ninguém sobre a covardia dos intelectuais franceses diante do nazismo e do stalinismo, embora fosse um francófilo apaixonado.
Nem a doença conseguiu silenciá-lo. Até perto do fim, Judt continuou ditando artigos, dando entrevistas e fazendo palestras. Movia-se numa cadeira de rodas, articulava as palavras com dificuldade e precisava de um respirador artificial para se manter vivo, uma vez que sua musculatura respiratória, assim como a do resto do corpo, deixara de funcionar. Mesmo assim, era capaz de entreter um auditório por 15 minutos, sem o auxílio de anotações. A mente continuava ágil, embora, para usar sua metáfora favorita, fosse prisioneira de uma cela que encolhia 15 centímetros por dia. O corpo. Seus últimos ensaios, curtos, foram dedicados a descrever em minúcias os sintomas da doença e a lembrar, de forma pungente, passagens da infância na Londres dos anos 1950. Impedido de se mover, mas não de sentir incômodos físicos, ele passava as noites lembrando e refletindo. Recusava o conforto do autoengano. “Os prazeres da agilidade mental costumam ser superestimados, sobretudo por aqueles que não dependem apenas deles”, escreveu. “Perdas são perdas, e não se ganha nada em chamá-las por outro nome.” Intransigente, até o final. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Skoob

BBC Brasil Atualidades

Visitantes

free counters