quinta-feira, setembro 09, 2010

Uma Intifada sem pedras

Uma Intifada sem pedras

Documentário fala sobre Budrus, vilarejo na Cisjordânia ameaçado de ser cortado em dois por um muro israelense

Maurício Meirelles – Época

ZONA DE CONFLITO

No alto, um manifestante pula a cerca onde seria construído o muro em Budrus. A cineasta brasileira Julia Bacha (no detalhe) filmou os protestos no local


A rainha Noor, da Jordânia, visitou neste ano pela primeira vez os territórios palestinos ocupados por Israel. O motivo foi a brasileira Julia Bacha, de 30 anos. Ela exibiu em Ramalá seu filme de estreia, um documentário sobre Budrus, vilarejo na Cisjordânia ameaçado de ser cortado pelo muro que Israel constrói na região para criar uma fronteira física entre o país e os territórios. Dias depois, o filme ganhou o Prêmio da Liberdade no Festival de Cinema de Jerusalém. Budrus  documenta a luta pacífica dos moradores – com o apoio de cidadãos israelenses – contra um ataque a sua cultura e dignidade. Ao sair do país, Julia, que diz ter tido dificuldade de entrar em Israel por causa do sobrenome libanês, mostrou o troféu aos seguranças do aeroporto de Tel Aviv.
Budrus traz a face humana de um conflito longo e doloroso, muitas vezes ignorada nas análises políticas. Os palestinos do vilarejo são agricultores simples, que desejam cultivar suas oliveiras e levar seus filhos em paz para a escola. Têm uma ligação emocional à terra e batizam as árvores com o nome de suas mães ou de parentes mortos. Um dia, chegam os tratores e soldados israelenses para começar a construção do muro. A obra passa pelo cemitério local e pelas plantações de oliveiras. No primeiro dia, cortam 80 árvores.
A construção provocou protestos dos moradores de Budrus, com o inusitado apoio de vários cidadãos israelenses. As imagens de violência do Exército e a coragem dos palestinos foram feitas por eles. O registro do confronto transforma a câmera de Budrus em uma arma, usada pelos manifestantes para impedir que a violência dos soldados passe dos limites. Mas ela não evita empurrões e bombas de efeito moral contra os manifestantes. As mulheres ganham um novo papel naquela sociedade. Elas vão à frente dos manifestantes. Em uma cena forte, uma jovem senta-se sobre a pá de um trator. “Estava morrendo de medo, mas vi que podia fazer algo grandioso”, afirma.
Em Budrus há muita raiva, mas pouca violência. As pedras, símbolo de revoltas anteriores (a Intifada, levada a cabo em sua maior parte por adolescentes), ficam quase sempre no chão. O terrorismo nem é cogitado. Os cidadãos enfrentam tratores e fuzis inimigos com seus corpos e gritos. “Quando viajava por Israel, as pessoas perguntavam: ‘Mas onde está o Gandhi, o Martin Luther King palestino?’. E nós sabíamos que existia esse movimento pacífico na Cisjordânia, que não recebia atenção da mídia”, afirma Julia.
Se há um candidato a encarnar o pacifismo palestino é Ayed Morrar, líder comunitário que organiza os protestos. Ayed evita o ódio ao dizer que sua luta não é contra os israelenses, mas contra a ocupação. Não é pessoal. “Queremos criar nossos filhos em paz e com esperança no futuro”, diz.
Sem que Israel dê sinais de querer recuar, as pedras começam. Em represália, soldados invadem a cidade e prendem moradores. As cenas são comoventes. Mães tentam tirar fuzis da mão dos jovens soldados, que não sabem como reagir diante da situação. Ayed grita pelas ruas pedindo o fim das pedras. Os moradores se esforçam para arrancar a barreira de arame farpado com as próprias mãos. Ao fim, os protestos pacíficos retornam. Depois de dez meses e 55 manifestações, Israel anuncia “motivos políticos” para mudar a rota do muro e preservar as oliveiras e o cemitério. Budrus comemora porque sabe que a decisão é fruto da luta que mudou não só o muro, mas o próprio vilarejo, que conseguiu amigos israelenses e abriu espaço para as mulheres se manifestarem. Eles passam a ajudar outras cidades, ensinando-as que atirar a primeira pedra pode ser fatal para o lado mais fraco. “A não violência serve ao interesse palestino”, afirma Ayed, em hebraico.

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