sábado, outubro 02, 2010
O político e o cozinheiro
O político e o cozinheiro
Jorge Bastos Moreno – O Globo
O restaurante Piantella, em Brasília, já não é nem mais estabelecimento comercial. É quase um patrimônio público. Está incluído no roteiro de todo turista que visita os pontos políticos mais importantes da cidade. Era a “casa” de Ulysses Guimarães.
A intimidade de Ulysses Guimarães com o restaurante sempre foi tão grande que, na sua campanha de candidato à Presidência da República, poderia faltar vaga para o vice Waldir Pires e até para o presidente do PMDB, Jarbas Vasconcelos, menos para Marco Aurélio Costa, o dono do Piantella.
Os momentos mais importantes do PMDB foram comemorados lá, inclusive a volta de Tancredo ao partido, depois da malsucedida criação do PP — Partido Popular.
Certa vez, o PMDB fechou a parte superior da casa para um jantar de Ulysses com todos os candidatos do partido à primeira eleição direta de governadores.
À tarde, no encontro formal dos candidatos, o fotógrafo do GLOBO flagrara Ulysses às gargalhadas com Tancredo e me pediu para apurar o motivo de tanta descontração.
No jantar perguntei aos dois. Um empurrou a resposta para o outro, até que o próprio Tancredo contou: — Quando chegou a hora do padre Raimundo Pombo (candidato ao governo de Mato Grosso) falar, ele contou que o Júlio Campos, seu opositor, anda dizendo que ele é muito velho e...
Aí, Ulysses socorreu Tancredo: — O padre, para provar sua vitalidade, começou a nos dizer que corre dez quilômetros por dia, nada cem metros de manhã, de tarde e de noite. E aí o nosso amigo aqui me cochichou no ouvido: “Ulysses, segura esse padre, se não, ele desafia nós dois a darmos três, sem tirar de dentro”.
Voltando ao nosso tema, Marco Aurélio sempre teve o defeito de todo dono de restaurante: sentarse à mesa do cliente assíduo, não importa se o sujeito está acompanhado de outras pessoas, e até dar palpites.
Cena rara, mas acontecia: Ulysses e Tancredo, juntos, num cantinho. Ninguém ousava aproximar-se deles. Nem os garçons. Só Marco Aurélio.
E foi aí que a amizade de Ulysses com Marco Aurélio começou a ficar abalada.
Mineiro, Marco Aurélio, com a perspectiva da derrota das Diretas, queria participar da conspiração próTancredo. E começou a tentar amolecer o coração de pedra do velho Ulysses.
— Dr. Ulysses, como vai o nosso grande homem? — Quem? — O dr. Tancredo, quem mais poderia ser?— respondeu Marco Aurélio.
O velho não gostou nada do que ouviu no almoço.
Não voltou para jantar.
Optou por outra casa.
Mas a greve não durou 24 horas. No dia seguinte, lá estava ele de novo. Ulysses era extremamente formal, mas delicado no trato com as pessoas, e avisou seu “maître”: — Francisco, meu maître d’hôtel preferido, avise ao restauranter Marco Aurélio que, se ele vier novamente com essa história de “nosso grande homem”, eu não piso mais os pés aqui.
Chico, naturalmente, não avisou ao patrão. E Marco Aurélio, mais uma vez: — Dr. Ulysses, o senhor precisa conversar mais com o nosso grande homem.
Ele fica em Minas isolado, coitado. Vamos fazer uma reunião com ele aqui? E foi aí que Ulysses proferiu uma das suas frases antológicas, valendo-se do prato preferido na casa: — Marco Aurélio, meu caro, vamos fazer um trato: você vai lá presidir o PMDB e eu venho fazer Manicotti aqui no Piantella!
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