segunda-feira, maio 17, 2010

O rei e o astrônomo

O rei e o astrônomo

Mauro Santayana – Jornal do Brasil – 16/05/2010
O exame dos restos mortais de um astrônomo dinamarquês – Tycho de Brahe – que morreu em Praga há 409 anos, poderá esclarecer uma das mais fantásticas intrigas da História. Grupo de cientistas dinamarqueses e tchecos recebeu as autorizações necessárias para a segunda exumação do que sobrou do corpo do astrônomo – que mapeou o céu a olho nu e localizou 777 estrelas, além de ser o primeiro a ver, por acaso, a explosão de uma supernova.

Oficialmente,Brahe, um homem elegante, convidado pela corte do imperador Rodolfo II, ficou constrangido quando, em um banquete, sentiu necessidade de aliviar a bexiga. Conseguiu controlar a situação no momento, mas o resultado foi a retenção urinária, que o levou à morte 11 dias depois.
Recentemente, descobriu-se um diário de seu primo e contemporâneo, Erik de Brahe, em que se revela que o mestre de Keppler foi envenenado com mercúrio, por ordem do rei Christian IV, da Dinamarca. O soberano, que assumiu o trono aos 19 anos, em 1596, confiscou o laboratório que Brahe montara em uma ilha – Uraniborg – por cessão do rei Erik XIV, em 1576.
O assassino, segundo todas as conjeturas, teria sido o próprio autor do diário, que chega a insinuar sua culpa em vários trechos do texto, e teria agido por ordem direta do soberano dinamarquês. O jovem rei provavelmente teria tamanho ódio ao astrônomo porque soubera que Brahe era seu verdadeiro pai. Quando jovem, Brahe viveu junto à Corte, e o príncipe seria o resultado de seu passageiro romance com a rainha. As conjecturas têm fundamento: entre os nobres europeus circulavam rumores de que Christian IV era bastardo. Desconfiado de que Tycho o havia gerado, Christian tratou de eliminar a mais importante testemunha de sua bastardia.

Há estudiosos de literatura e especialistas em Shakespeare que atribuem à versão de que o soberano era bastardo a ideia de Hamlet: a relação edipiana de seu personagem com a rainha mãe viria do caso real de Christian, que vivia no mesmo castelo em que se passa o drama, e onde o pai de Brahe fora conselheiro privado do rei.

Trata-se, como se vê, de fascinante investigação histórica que – como tantas outras – provavelmente será inconclusiva. E que Christian IV, o presumido mandante da morte de Brahe, tenha servido de modelo para Hamlet, é ainda mais difícil de se provar: há várias versões, desde a obra de Saxo Grammaticus a outras fontes como sendo trabalhadas pelo dramaturgo que, como se sabe, baseava-se em lendas antigas e em fatos reais para construir seus dramas e tragédias. Mas a versão volta a circular, amparada pelo fato de que a redação da peça se deu em 1597 – um ano depois da fuga de Brahe da Dinamarca.
Tycho de Brahe foi fascinante personalidade de seu tempo. Aos 20 anos, interessouse pela astronomia, ao mesmo tempo que levava uma vida de aventuras. Em querela de taberna que terminou em espadadas, teve parte do nariz decepada, e a substituiu por uma prótese de ouro, por ele mesmo produzida. Tinha imensos bigodes, que, ruivos, ajudavam a disfarçar o nariz metálico. Foi o exame dos pelos de seu bigode, guardados no Museu de Praga, que revelou a presença de mercúrio em quantidades cem vezes maiores do que as normais. Entre as várias hipóteses há a de que o metal tenha sido ingerido voluntariamente por Tycho que, alquimista, deve ter procurado produzir algum medicamento a fim de livrar-se das dores que o acometiam.
Brahe foi sepultado em uma das mais belas igrejas de Praga, a Catedral de Týn, a pouca distância da casa em que nasceu Kafka. A fachada da catedral, vista do centro de Staromestké Námesti (Praça da Cidade Velha) se encontra parcialmente oculta por construções renascentistas que contrastam com suas torres góticas. É uma enigmática paisagem urbana de Praga. 
FotoTycho Brahe (1546-1601) Astrônomo dinamarquês

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