segunda-feira, maio 17, 2010

Uma pequena vitória

Uma pequena vitória
Quase 2 milhões de brasileiros exigiram, e os deputados não puderam ignorar: aprovaram o Ficha Limpa. Cabe agora ao Senado confirmar que ainda há esperança para o Congresso

Fotos Sérgio Lima/Folhapress e Cid Barbosa/Diário do Nordeste

Foi preciso uma lista popular com 1,6 milhão de assinaturas para os senhores da foto acima finalmente levantarem efusivamente os braços em comemoração a algo que favorece os brasileiros. Na terça-feira da semana passada, os deputados aprovaram o projeto conhecido como Ficha Limpa, que estabelece regras mais rígidas para os candidatos em busca de um cargo eletivo (veja o quadro na pág. ao lado). Encaminhou-se de imediato a proposta ao Senado. "Não é um projeto prioritário para o governo", afirmou de pronto o senador Romero Jucá, freguês do Supremo Tribunal Federal, querendo dizer, na verdade, que, como líder da bancada dos não muito limpos, fará de tudo para impedir a aprovação da proposta. Apesar do tufão de sujeiras, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado votará o projeto nesta quarta-feira. Para virar lei, o Ficha Limpa ainda terá de sobreviver aos previsíveis ataques no plenário da Casa – e, por fim, ser sancionado pelo presidente Lula, que, embora adore um companheiro sujinho, se disse favorável à proposta. Espera-se que as novas regras possam valer já nestas eleições, mas há ministros do Supremo que defendem sua validade apenas para o pleito de 2012. Sabe-se somente que a dúvida chegará aos tribunais superiores. Em face dos limites do projeto e de tantas dificuldades que ele ainda vai enfrentar, resta a pergunta: há de fato o que comemorar?
Sim, há motivos para celebrar. Pela primeira vez desde 1988, numa demonstração eloquente da consolidação dos valores democráticos no Brasil, a população mobilizou-se para forçar seus representantes a tomar uma atitude contra a corrupção endêmica do país. É o primeiro passo num caminho que, a depender da sociedade civil, levará à reforma do pútrido sistema político brasileiro. Diz o presidente da OAB, Ophir Cavalcante: "A população percebeu que tem força para demandar mudanças inadiáveis na nossa política". Não se pode esperar, porém, que o Ficha Limpa venha a curar males que vicejam há décadas no país – e que se sustentam na absoluta incapacidade do país em punir com eficiência quem comete crimes.
As benesses das possíveis novas normas podem vir a se revelar na punição eleitoral de delinquentes políticos, mas param por aí. Não conseguirão ferir o coração da impunidade, que pulsa nas brechas permissivas das leis brasileiras e, especialmente, na mentalidade conservadora de quem aplica essas leis. As brechas, todo transgressor conhece: recursos, recursos, recursos... Trata-se de medidas legítimas no papel, mas que acabam por se materializar em intermináveis chicanas, conduzindo os processos à prescrição e os criminosos à boa vida. Num país onde cerca de 20% dos parlamentares enfrentam processos no Supremo Tribunal Federal, sobram exemplos disso, como o deputado Paulo Maluf. O parlamentar já foi até preso, mas continua exercendo tranquilamente a nobre arte da política. Há outros tantos como ele.
Desde a redemocratização, o STF nunca havia condenado um congressista – até que, na quinta-feira da semana passada, os ministros concordaram que o deputado Zé Gerardo, do PMDB do Ceará, deveria ser punido por ter desviado dinheiro público quando era prefeito. Diante do histórico da corte, a decisão constitui um modesto avanço. Modesto por modesta ser a pena: o deputado terá de pagar multa de apenas 25000 reais. Uma condenação, observa-se, que comunga da mesma tibieza das decisões recentes do Tribunal Superior Eleitoral sobre os atos de campanha antecipada do PT, nas quais os ministros estabeleceram multas de 10 000 ou 20 000 reais (veja a reportagem na pág. 72). São valores minúsculos para os bolsos que se pretende atingir. Cabe ao juiz determinar um montante para a pena em dinheiro – e, nessas condições, percebe-se que os magistrados costumam vacilar. Diz o jurista Roberto Caldas: "Se a punição não machuca o bolso, como acontece nos Estados Unidos, a condenação perde o sentido, a eficácia e, por fim, não se faz justiça. Faz-se impunidade".

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