quarta-feira, maio 05, 2010

Penetras na festa

Penetras na festa
Rolf Kuntz - O Estado de S. Paulo - 05/05/2010

O crescimento econômico é o melhor caminho para o equilíbrio das contas públicas, disse ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Bonito, mas contestável. A economia pode crescer por algum tempo enquanto as contas pioram, como tem ocorrido neste ano. Em contrapartida, uma gestão mais severa e mais eficiente do dinheiro público pode abrir caminho para mais investimentos, mais exportações e expansão econômica mais duradoura. Mas cortar gastos, empregar menos companheiros e produzir mais com cada real desembolsado é politicamente mais difícil. Muito mais confortável é disfarçar o desperdício quando cresce a arrecadação, como tem ocorrido normalmente.
Se o governo tivesse escolhido o melhor caminho, o Ministério da Fazenda poderia ter, há muito mais tempo, reduzido para valer o peso dos impostos sobre a exportação. O ministro prometeu para esta quarta-feira um novo pacote de ajuda ao exportador. Haverá redução de impostos sobre as vendas ao exterior, mas o alívio será limitado e muito menor que o necessário para igualar as condições de competição. Nem o PIS-Cofins será eliminado. Apenas será diminuído o prazo para liquidação dos créditos? Dos novos, somente, porque os acumulados continuarão presos por muito tempo, segundo as informações conhecidas até ontem.
O pacote é pouco ambicioso, mas sua discussão consumiu meses. O governo, segundo o pessoal da Fazenda, não pode renunciar de uma hora para outra a uma parcela maior da tributação, nem tem como eliminar a curto prazo o acúmulo de créditos fiscais. O argumento seria mais sério e respeitável se o Executivo estivesse fazendo um grande esforço de economia. Não está. No primeiro trimestre, o governo central gastou com o funcionalismo 7% mais que um ano antes, em termos nominais. Os "outros custeios" foram 21,5% maiores que os de janeiro a março de 2009. No ano passado, a folha de pessoal consumiu 24,8% mais que em 2008, em valores correntes, embora a crise tenha afetado a arrecadação.
Segundo o ministro da Fazenda, o governo tem mantido os gastos com pessoal abaixo de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) e, portanto, não há exagero nesse item, apesar do aumento em valores absolutos. No primeiro trimestre, essa relação ficou em 5,2%. Mas a alegação é chocha. Nenhum dos Dez Mandamentos ordena manter constante a relação folha de salários/PIB. O aumento real do valor absoluto importa, sim, e muito, principalmente quando não é acompanhado de ganhos de produtividade e qualidade nos serviços.
O ministro foi ao Congresso para a celebração do décimo aniversário da Lei de Responsabilidade Fiscal. Defendeu a responsabilidade na gestão das contas públicas, mas deixou de mencionar um detalhe histórico: essa lei foi aprovada apesar dos votos contrários do PT e de outros partidos da oposição. Quem lembrou esse pormenor foi o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), ao sugerir um acordo para se extinguir a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta contra a lei há dez anos.
Terão os petistas perdido a memória desse fato? Pode ser. Afinal, muitos parecem ter esquecido a rejeição ao Colégio Eleitoral (e, portanto, à eleição de Tancredo Neves), o movimento contra a Constituição de 1988, a condenação do Plano Real e a execração do Proer. Esse programa, usado no socorro a bancos nos anos 90, foi evocado muito tempo depois como exemplo pelo presidente Lula, durante a quebradeira no setor bancário americano.
Se o governo levasse a sério a responsabilidade fiscal, o superávit primário, usado para o pagamento de juros, não teria diminuído para 1,94% do PIB nos 12 meses terminados em março. Em dezembro, no fim de um ano de crise, havia ficado em 2,05%. Mas isso é só uma parte do estrago. O déficit nominal acumulado em 12 meses cresceu de 3,33% do PIB, em dezembro, para 3,46%, em março. A maior parte da piora das contas deve-se ao governo central. O desequilíbrio tem crescido apesar do aumento da receita. No primeiro trimestre, a arrecadação federal foi 15,8% maior que a de um ano antes, em valores correntes ? Um aumento muito superior à inflação do período.
Não é sério deixar o resultado fiscal na dependência do crescimento do PIB e da arrecadação. As autoridades vivem falando em política anticíclica. Mas política anticíclica é economizar na prosperidade para gastar com mais folga em fases de aperto. No Brasil, a ordem tem sido gastar nos bons e nos maus tempos, com uma só variação: em fase de vacas magras, a crise serve para justificar o mau resultado das contas públicas.

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