segunda-feira, julho 26, 2010

O mercado do voto no Brasil

O mercado do voto no Brasil
Fábio Fabrini BRASÍLIA

Mesas de sinuca, carteiras de habilitação, caixas d’água, notas rasgadas, um punhado de dentaduras ou até um pintinho amarelinho, na palma da mão. Com isso e mais um pouco — na maioria das vezes, muito pouco — compra-se um voto no Brasil. Análise do GLOBO sobre 200 casos de cassação de mandato e de candidatura das últimas cinco eleições, citados em relatórios do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e arquivos da Justiça, não deixa dúvidas: pode-se dizer de tudo sobre os acusados, menos que não tenham criatividade de sobra.
Para turbinar a popularidade e garantir o cargo, vale arrematar do eleitor a camiseta que ele usa com propaganda do adversário, oferecer serviços de advogado pelo rádio e até pagar para um cidadão não votar. Dado o retrospecto dos candidatos, não faltará trabalho à Polícia Federal, que montou esquema especial de fiscalização.
Muitos condenados estão de volta agora, de olho num naco de poder.
Segundo o MCCE, a principal causa de cassação de políticos no país é a compra de votos — prática secular que se mantém no Brasil do século XXI, e que se liga ao cabresto do coronelismo, ocorrendo desde pelo menos a República Velha (18891930), como mostraram obras como “Coronelismo, enxada e voto”, do jurista Victor Nunes Leal.
De 2000 a 2010, nas contas do MCCE, ao menos 700 políticos perderam seus cargos por causa do artigo 41-A da Lei 9.840/99, que prevê punição para a chamada “captação ilícita de sufrágio”, a popular compra de voto.
Construíram uma escola de fraudes, que se supera a cada pleito

Candidato foi pegar de volta caixa d’água
Em Jussiape (BA), o então candidato a prefeito Sílio Luz Silva (PMDB) se tornou o primeiro político conhecido por, após presentear um casal de eleitores — dona Maria e seu Lourival — com uma caixa d’água e um padrão de luz, em 2000, voltou para buscá-los. Motivo: desconfiou que não ganhou o voto prometido.
Diante do desaforo, dona Maria procurou o Ministério Público para reclamar. Nos autos, ela conta que só foi “denunciar após as eleições porque Sílio foi lá lhe ameaçar para tomar as coisas”. Julgado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele se tornou duas vezes pioneiro: a partir daí, os ministros entenderam que a compra de só um voto é bastante para a cassação.
Também em 2000, Tiago Ramos Vieira se elegeu vereador em Sobral (CE) prometendo dentaduras aos eleitores. A protética Vanda Maria de Souza Mendes devia R$ 1.078 à mulher do político e se dispôs a quitar o débito com a própria produção. Como fez 24 peças de R$ 80, “na melhor resina”, a conta fechou em R$ 1.920 e ela acabou virando credora. Ao reclamar o pagamento, ouviu que não receberia nada. Procurou a Promotoria Eleitoral, entregou o esquema e interrompeu o mandato do parlamentar.
Eleição pós eleição, a inventividade é maior. Empresário da área de diversões, Antônio Idalino de Melo (PRTB), candidato à Assembleia Legislativa de Roraima em 2006, isentou donos de bares do estado de lhe pagar aluguel por suas mesas de sinuca na campanha e por mais um ano.
Em Macapá (AP), não era preciso fazer aulas ou exames de direção para sair do Detran com uma carteira de motorista em 2002. Bastava procurar o candidato a deputado federal Antônio Nogueira (PT) ou um irmão dele para obter um documento “por fora”, contaram testemunhas do processo de cassação, que chegou ao TSE.
Hoje prefeito reeleito de Baraúna (RN), Aldivon Nascimento (PR) reconhece: seu adversário em 2004, José Araújo Dias (do PFL, hoje DEM), era “bom estrategista”. Na disputa, os eleitores de Nascimento eram identificados com camisetas verdes. Ele fez estoque para desovar nos últimos dias da eleição. Mas o oponente, diz a ação que o cassou, pagou até R$ 50 para quem trocasse de cor, usasse vermelho e lhe desse um voto.
— Perdi quase a metade das camisas.
O prejuízo foi enorme. Ele colheu o que plantou, mas foi inteligente — diz o prefeito, que perdeu por 31 votos e esperou dois anos para assumir o cargo, após a cassação do eleito.
Para o juiz Márlon Reis, do MCCE e presidente da Associação Brasileira dos Magistrados, Procurador e s e Pr o m o t o r e s E l e i t o r a i s (Abramppe), os políticos exploram as carências de cada comunidade.
— Eles vão em cima daquilo que falta. E isso varia muito, conforme a cultura, o padrão social e o perfil das comunidades — diz Reis, acrescentando que a prática traz prejuízos nefastos para o país. — Por um segundo de esperteza, o cidadão que cede à tentativa de fraude abre mão do controle sobre as políticas públicas.
Para o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Leonardo Barreto, tanto esforço para agradar ao cidadão pode não dar resultado.
A partir de pesquisa com grupos de eleitores, ele concluiu que não dá para saber quem, de fato, usa quem.
— De cada dez que vendem o voto, só dois votam no candidato (comprador) — afirma.

CAIXA D'ÁGUA DE VOLTA
Em Jussiape (BA), o candidato a prefeito Sílio Luz Silva (PMDB) presenteou um eleitor com uma caixa d'água em 2000. Mesmo eleito, segundo o TSE, desconfiou de que realmente tenha conquistado o voto e cobrou o agrado de volta. Acabou se inscrevendo na História do tribunal como o primeiro a punir eleitor que, supostamente, não deu a contrapartida esperada. E o primeiro a ser cassado pela compra de um único voto.

CARTÃO MAGNÉTICO
Candidato a deputado estadual em Roraima nas eleições de 2006, Sebastião César de Sena Barbosa (PSC) dava aos seus eleitores cerca de R$ 20 e um cartão magnético, que dizia estar equipado com um chip. Cabia ao cidadão passar a tarjeta sobre a urna para registrar se realmente foi fiel. Só assim, conforme as investigações da Polícia Federal, receberia mais R$ 80.

DENTADURAS E CALOTE
Tiago Ramos Vieira queria ser vereador em Sobral (CE). Oferecendo dentaduras à população, segundo apurou o Ministério Público, conquistou o sorriso dos eleitores e o cargo, em 2000. Mas acabou cassado dois anos depois. Motivo: teria dado calote na protética, que, por isso, o denunciou

COMPRANDO CAMISETA DE ADVERSÁRIO
Em Baraúna (RN), José de Araújo Dias (PFL) armou uma estratégia inusitada para se eleger prefeito em 2004, conforme ação que o levou, mais tarde, a perder o cargo: comprava o voto do eleitor e, de quebra, investia contra a campanha adversária. Os cidadãos recebiam entre R$ 20 e R$ 50 para entregar as camisetas do candidato opositor aos cabos eleitorais de Dias e declarar apoio a ele, que acabou eleito por uma diferença de 31 votos

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