terça-feira, agosto 10, 2010

Degradação e alto custo da moradia expulsam os jovens e esvaziam Lisboa

09/08/2010 - 00h01

Degradação e alto custo da moradia expulsam os jovens e esvaziam Lisboa

Francesc Relea  
Castelo de São Jorge, a partir do mirante de São Pedro de Alcântara, em Lisboa (Portugal)
O coração de Lisboa está envelhecido. Este é o diagnóstico de Helena Roseta, na foto, vereadora da Habitação, ao descrever o despovoamento da capital portuguesa e o abandono de muitos edifícios.
As casas desocupadas são abundantes no centro histórico, em bairros famosos como Chiado, Baixa, Alfama, Graça ou Alcântara. É uma imagem que se repete até nas áreas mais valorizadas.
Entre as lojas de luxo, hotéis, bancos e empresas multinacionais, proliferam edifícios em estágio avançado de degradação. A prefeitura contabiliza uma quinzena na Avenida da Liberdade, a principal artéria lisboeta, que pode ser comparada com o passeio da Castelhana de Madri ou o passeio da Gracia de Barcelona. Lisboa e Porto estão no topo da lista de cidades da UE que mais se esvaziaram desde 1999 e com o maior índice (24%) de habitantes com mais de 65 anos.
Helena Roseta, arquiteta, trabalha há anos a favor de uma política de habitação decente e foi reeleita em outubro passado como vereadora independente na lista do Partido Socialista. Roseta menciona três elementos comuns do panorama urbanístico de cidades como Lisboa, Porto e Braga: o alto número de apartamentos desocupados, a queda demográfica e o envelhecimento da população.
Segundo uma contagem de 2008, existem 4 mil edifícios abandonados em Lisboa, de um total de 55 mil. “Uma parte já tem programas de reabilitação aprovados pela prefeitura, outros não podem ser recuperados e terão de ser demolidos”, explica o também arquiteto Manuel Salgado, vice-prefeito e responsável pelo urbanismo. De seu escritório saíram projetos urbanísticos como o Centro Cultural de Belém, os espaços públicos da Expo de Lisboa, o estádio de Porto e o passeio marítimo de San Miguel (Açores). Em 2007 trocou a arquitetura pela política ativa, e até agora não parece desencantado em seu papel de braço direito do prefeito socialista Antonio Costa.
Nos últimos 30 anos, Lisboa perdeu cerca de 100 mil habitantes por década, e passou de 800 mil habitantes para meio milhão atualmente. Salgado disse que tem “perfeitamente identificadas” as causas do despovoamento: “a má qualidade da infraestrutura próxima: creches, escolas, centros de saúde; a busca de casas unifamiliares; e, a mais importante, o custo do metro quadrado, que em Lisboa é duas ou três vezes mais caro do que nos municípios limítrofes.”
Cerca de um quarto da população vive na linha de pobreza, segundo cálculos da prefeitura. Aposentados, desempregados, pessoas que vivem de ajuda do govenro, num extremo. No outro, quem tem mais recursos e tem acesso ao mercado imobiliário em Lisboa sem problemas. Em muitos casos eles têm casa nas áreas mais exclusivas dos arredores, como Estoril e Cascais. “Queremos acabar com a enorme diferença que existe em Lisboa entre os muito ricos e os muito pobres, e para isso é muito importante que a classe média e os jovens sejam uma parte importante da população da cidade”, assinala Manuel Salgado.
A cidade tem 650 mil postos de trabalho, mas apenas 500 mil moradores, dos quais cerca de um quarto são ativos, explica o vice-prefeito. “Isso significa que todos os dias, mais de meio milhão de pessoas entram e saem de Lisboa. É uma situação praticamente única na Europa, só comparável a Oslo, que tem mais pontos em comum com as cidades norte-americanas”. O geógrafo João Seixas, professor da Universidade de Lisboa, define o fenômeno como “uma enorme fragmentação de moradia”.
As consequências deste transtorno diário são dramáticas para uma cidade que se enche e se esvazia como um pulmão. Desequilíbrio, congestionamentos nas vias públicas, poluição e barulho. “Há 162 mil veículos registrados em Lisboa e todos os dias entram cerca de 400 mil, o que significa um grande desgaste para a cidade e não trazem renda nenhuma aos cofres da prefeitura porque pagam seus impostos em outros municípios”, explica Salgado.
À noite e aos fins de semana, Lisboa se esvazia e há áreas que adquirem um ar fantasmagórico. Alguns bairros mais centrais, onde há muitos prédios abandonados, têm uma notável carência de serviços. Diante da falta de demanda há pouca oferta de lojas, bares ou táxis, o que afugenta os moradores jovens, que optam por viver em bairros mais longínquos mas com mais vida.
Proprietários, inquilinos e autoridades municipais se acusam mutualmente pela deterioração do parque imobiliário. Os primeiros se queixam da lei de aluguéis urbanos, que remonta aos anos 50, em plena ditadura salazarista, e mantém congelados os aluguéis em preços irrisórios que não permitem arcar com custos de reformas. “A propriedade em Portugal se transformou numa espécie de assistência social particular ao inquilino”, diz Monteiro de Barros, da Associação Lisboeta de Proprietários.
Os contratos assinados desde 1990 são livres e o novo regime de aluguel de 2006 permite aumentar os alugueis se a casa estiver em condições habitáveis, o que não acontece em muitos bairros. Mas as rendas antigas não foram mudadas porque, segundo Manuel Salgado, “provocariam um choque social muito grave”. Romão Lavadinho, presidente da Associação de Inquilinos Lisboetas, reconhece que “há muitos apartamentos em mau estado, pelos quais os inquilinos pagam cerca de 70 euros por mês”. “Mas também não está certo”, acrescenta, “que muitos proprietários deixem as casas à beira da ruína, para conseguir permissão para demolir e construir um imóvel com mais apartamentos e mais rentável”. Lavadinho também acusa as prefeituras de cidades como Lisboa e Porto: “são as maiores proprietárias e as que têm o patrimônio mais deteriorado”.
Apesar da decadência da Lisboa antiga, a beleza da cidade, com suas sete colinas e o rio Tejo onipresente, continua sendo um poderoso ímã para atrair o visitante estrangeiro. Consciente disso, a prefeitura encontrou um instrumento para recuperar a vitalidade da cidade: o programa Erasmus, que facilita a mobilidade acadêmica dos estudantes dentro da União Europeia. “Nosso objetivo é transformar Lisboa numa cidade Erasmus”, diz Manuel Salgado. Segundo os indicadores municipais, os 3 mil estudantes estrangeiros que chegam por ano contribuem para dinamizar o mercado de aluguel.
Tradução: Eloise De Vylder

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Skoob

BBC Brasil Atualidades

Visitantes

free counters