terça-feira, agosto 10, 2010

Você sabe como funciona o governo?

Você sabe como funciona o governo?

Fernando Abrucio – Revista Época
O que mais se ouve de políticos em eleições são promessas, enquanto eleitores e mídia alimentam o jogo com demandas por mais e melhores políticas públicas. Esse processo saudável faz parte da lógica democrática, mas pode produzir desencontros entre os cidadãos e seus representantes caso não fiquem claras quais são as reais possibilidades de os governos realizarem suas ações. Por isso, as eleições seriam mais efetivas se todos conhecessem bem o funcionamento da administração.
Mas não é tão fácil conhecer os meandros dos governos. Primeiro, porque a maioria não tem tempo para se informar e adquirir conhecimento sobre todas as partes que compõem a administração pública. Segundo, pela dificuldade óbvia de explicar assunto tão complexo para grupos menos escolarizados. E terceiro, pela profusão de especialidades que se transforma em obstáculo para quem quer ter uma visão mais sistêmica do Estado. São economistas, cientistas políticos e administradores que muitas vezes apresentam diagnósticos díspares sobre os problemas e dialogam pouco entre si.
Diante disso, veio em boa hora o livro Administração pública (Elsevier Editora), escrito por Cláudia Costin, atual secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro. A autora tem larga experiência nas três esferas de governo, além de boa formação acadêmica. Acima de tudo, ela consegue ter uma visão sistêmica sobre o governo, algo raro. O objetivo de Cláudia era produzir uma obra introdutória para universitários. Sem dúvida, esse intento foi alcançado. Porém, creio que o livro pode ser útil a um número bem maior de pessoas, especialmente num momento de eleições.
O senso comum diz que o maior problema da política brasileira está na corrupção. É uma visão equivocada. Muito mais do que a roubalheira, o que mais aflige nosso sistema político é o amadorismo e o despreparo de boa parte dos eleitos. O resultado é a ineficiência, que também favorece os corruptos e espertalhões, muitos deles localizados no “outro lado do balcão”: nas empresas, nos sindicatos e nas associações civis.
Não é fácil conhecer os meandros da administração. Mas o voto melhora quanto mais informado for o eleitor
O pouco conhecimento dos políticos acerca de administração é tanto maior no Poder Legislativo e nos níveis subnacionais, particularmente nos lugares menos desenvolvidos. Uma forma de combater esse mal seria os partidos darem cursos a todos os seus candidatos e filiados sobre políticas públicas. O livro de Cláudia seria um ótimo manual.
Tão importante quanto o aperfeiçoamento dos políticos é a pedagogia eleitoral dos cidadãos. Parto da premissa que a realização de eleições regulares, livres e competitivas, como tem ocorrido no Brasil, já é uma forma de instrução cidadã. Daí concluo que os eleitores hoje são melhores do que no passado. Contudo, o voto será sempre mais efetivo quanto mais informado for o eleitor. E o que mais falta ser conhecido pela sociedade é o funcionamento efetivo da administração, inclusive para abandonar a postura meramente demandante em prol da pressão qualificada por mudanças nas políticas públicas. O livro de Cláudia pode ser um bom começo para os eleitores conhecerem melhor os limites e as possibilidades dos governos.
Depois da leitura, eleitores poderiam juntar os colegas de trabalho, do clube, do lazer de fim de semana ou da igreja para discutir como transformar suas demandas e seus anseios em formas efetivas de atuação. Não que o livro tenha todas as soluções ou que seja livre de controvérsias. Tanto melhor: suas insuficiências e polêmicas podem incentivar o debate, que é sempre a melhor forma de amadurecer politicamente.
Talvez seja ainda difícil para os eleitores com menos escolaridade entenderem alguns pontos da publicação. Eis aí um desafio para a autora continuar contribuindo para a cidadania brasileira: fazer com que a administração pública se torne compreensível para todos os brasileiros. Espero que outros se juntem a ela nessa empreitada. Ela parece especialmente urgente quando assistimos ao baixo nível do debate da atual eleição.
FERNANDO ABRUCIO é doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA

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