sexta-feira, agosto 27, 2010

Felicidade

Felicidade

Crônica
Manoel Carlos - 25/08/2010 – Veja Rio
Evelyne, amiga da minha mulher desde os tempos da faculdade de museologia, que ambas cursaram, hospedada no mesmo hotel em que estávamos, em Nova York, foi a um médico chinês, no Brooklyn, numa tarde em que eu e a Bety ficamos fora da cidade por quase todo o dia. Quando voltamos, ela estava no bar do hotel, suspirosa.
— E aí — perguntou minha mulher —, gostou do chinês?
— Um lixo. Eu me senti ultrajada.
— Que aconteceu?
— Acredita que fui lá para ver se ele dava um jeito nessa angústia que sinto, e ele só fez piorar o meu estado?
Tenho de abrir um parêntese para contar que Evelyne foi ao tal médico chinês, considerado um especialista em tratar e curar a ansiedade feminina, por sugestão de uma amiga americana.
— Falei que andava chateada — continuou ela —, que me sentia infeliz, desanimada, com vontade de ficar na cama o dia inteiro, sem ver ninguém. Esperava que ele me receitasse um chá milagroso, algum exercício oriental, que aplicasse, enfim, seus conhecimentos da tão decantada e sábia medicina chinesa! E sabe o que ele me falou? “A senhora está gorda.”
Ficamos compadecidos. Mas a verdade é que Evelyne está mesmo alguns quilos acima do seu peso normal e isso a deixa deprimida. Acompanhamos sua evolução corporal, por assim dizer, que fez com que ela pulasse, em pouco mais de um ano, de manequim 38 para 42.
— Como se eu não soubesse que estou gorda — continuou ela.
— E o miserável do chinês, já se levantando e me despachando, concluiu: “A senhora tem dois caminhos a seguir e precisa optar por um deles: ou faz uma dieta ou assume que é gorda. Toda a sua angústia vem desses quilos a mais que a senhora ganhou e tenta esconder, apertando-se dentro das roupas e sentindo vergonha diante do espelho”.
— Ele foi, no mínimo, grosseiro — disse a Bety, procurando sossegá-la.
— E ainda teve a coragem de me cobrar 350 dólares!
— Mas que absurdo!
Eu ouvia e não sabia o que dizer. Senti que era assunto para as duas mulheres — Bety e Evelyne — e que eu estava sobrando ali, mas não encontrei uma brecha no diálogo delas que me facilitasse a saída. E também, para ser verdadeiro, não me pareceu necessário, já que as duas não demonstravam dar pela minha presença. Eu era, ali, um zero à esquerda, como se costuma dizer, até que a pobre Evelyne olhou para mim e perguntou:
— Você, Maneco, me diga francamente: estou desesperadamente gorda? Você me vê assim, como se eu fosse uma mulher descomunal?
— Claro que não — falei em cima da “deixa”, com a ênfase de um monólogo de Shakespeare. De um “Ser ou não ser” do Hamlet.
— Jura?
Eu me animei e tentei animá-la também:
— Pode acreditar. Veja bem, em viagem todos fazem excessos e engordam, não há como escapar. Já estamos aqui há muito tempo. São cinquenta dias almoçando e jantando em restaurantes.
— Eu estou até comendo sobremesa, o que não faço no Rio — aparteou minha mulher. — Também ganhamos peso e, assim que a gente voltar para casa, entramos na dieta outra vez! Não é, meu bem?
Concordei. Realmente, ganhamos peso durante as férias, mas não na dimensão alcançada pela Evelyne. Saltar de manequim 38 para 42 está muito acima da nossa marca e da nossa extravagância.
— Você sabe como os chineses são — disse eu vagamente, apenas para cobrir alguns segundos de silêncio, já que eu não sei como são os chineses.
Bem, no dia seguinte a essa cena, voltamos para o Brasil. Assim que chegamos, fizemos o prometido: entramos numa dieta. Ontem, jantando frugalmente na Brasserie do Fashion Mall, avistamos de repente a Evelyne, que voltara de Nova York dois dias depois de nós. Vimos que ela estava feliz diante de uma sobremesa carregada de chantilly. Antes que falássemos qualquer coisa, ela revelou a razão da sua felicidade:
— Encontrei a Marina, lembra dela, Bety, da faculdade?
— Lembro, claro — confirmou minha mulher. — Era a mais bonita da classe!
— Pois é. Era! Está imensa de gorda. Olha: dá duas de mim!
E atacou os morangos com creme, rindo, feliz e bochechuda.
Manoel Carlos
e-mail: almaviva@uninet.com.br

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