sexta-feira, agosto 27, 2010

Graham Fuller: “O islã não é o problema”

Graham Fuller: “O islã não é o problema”
O ex-agente da CIA e estudioso do radicalismo muçulmano diz que a política externa americana é o maior combustível do fanatismo
Letícia Sorg – Revista época

ÉPOCA – Em seu livro mais recente, A world without islam (Um mundo sem islã), o senhor imagina um mundo hipotético sem o islamismo para argumentar que a religião não é a causa dos conflitos no Oriente Médio. Por quê?  Graham Fuller – Eu me irritava com as tentativas de escrever análises sobre as dificuldades de “reformar o islã”. As análises não deixam de ter razão, mas ninguém questiona se os EUA, potência com quase 1.000 bases militares espalhadas pelo mundo, provocam impacto direto na região. O islamismo é o veículo, a bandeira, o símbolo, não a origem.

ÉPOCA – Qual é, então, a causa do conflito atual?  Fuller –– Há elementos geopolíticos por trás da maioria deles. A Primeira e a Segunda Guerra Mundial começaram com os europeus, que acabaram arrastando o Oriente Médio. Durante a Guerra Fria, o Oriente Médio foi novamente arrastado ao conflito entre os Estados Unidos e a União Soviética. A região conviveu com a constante intervenção política e militar americana promovendo golpes de Estado. A lista é grande, e nenhum dos conflitos tem a ver com o islã.

ÉPOCA – O senhor trabalhou para a CIA entre 1965 e 1987 e viveu em vários países do Oriente Médio. Poderia imaginar que as relações com os EUA chegariam ao ponto em que estão hoje?  Fuller – Sim e não. Quem trabalhou no Oriente Médio naqueles anos sabia que a situação estava ficando cada vez pior. Nos Estados Unidos, eu via que as pessoas não percebiam nenhuma mudança. De repente, tivemos o 11 de setembro. Foi um choque, mas não uma surpresa. Osama Bin Laden vinha avisando sobre os atentados e falando sobre o ódio no Oriente Médio por causa da presença de tropas americanas na Arábia Saudita.

ÉPOCA – Em um artigo, o senhor diz que a política externa americana é, provavelmente, a maior contribuição para a unidade do mundo muçulmano desde o profeta Maomé. Por quê?  Fuller – Nos dias de Maomé não havia comunicação, mas, agora, com a internet e outros meios, quando os EUA decidem tomar uma atitude como a “guerra contra o terror”, todos ficam sabendo. Os palestinos veem na TV afegãos sendo mortos, por exemplo. A consciência de ser muçulmano é global, e a identidade islâmica é, portanto, consequência da política externa americana – e não a causa.

ÉPOCA – Como o senhor vê essa iniciativa americana de enviar imames americanos a países muçulmanos para falar de pluralismo religioso nos Estados Unidos?  Fuller O papel dos imames é importante, desde que eles não sejam vistos como instrumentos de Washington. Há tantas suspeitas sobre a intenção dos EUA que alguns podem acreditar que é mais uma desculpa para pressão e intervenção.

ÉPOCA – Qual é sua opinião sobre o projeto da mesquita?  Fuller – É, a longo prazo, ótimo, mas o momento para a sugestão é delicado porque a questão seria politizada.
ÉPOCA – Os Estados Unidos estão ficando mais intolerantes?  Fuller – A fúria a respeito da mesquita em Nova York e a tentativa de criar um dia para queimar o Corão em outros Estados americanos ajudam a destruir mais e mais a imagem dos Estados Unidos perante o mundo árabe. É possível encontrar pessoas dispostas a queimar alguma coisa em qualquer país. A vasta maioria dos americanos sabe que isso é estúpido e ignorante. Mas cria uma má imagem e exacerba um problema que não tem melhorado nada, mesmo durante o governo Obama. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Skoob

BBC Brasil Atualidades

Visitantes

free counters