quarta-feira, maio 26, 2010

Universidade, a última moleza da classe média

Universidade, a última moleza da classe média

Jornal do Brasil - 25/05/2010 - 09:31  - Marcelo Migliaccio
Um amigo me disse certa vez que a universidade é a última moleza que o sistema dá para a classe média. O bem-bom começa lá no jardim da infância, passa pelo colégio e tem seu epílogo na faculdade. Recebido o canudo, pronto: trate de arrumar um emprego e sustentar sua família, porque o mercado de trabalho não está, nem nunca esteve, para brincadeira.
O tema surgiu porque, atualmente, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) debate a adoção do sistema de cotas sociais, para mim uma tentativa válida de corrigir um pouco a desigualdade de oportunidades que marca a história brasileira. Sempre achei um absurdo os jovens que cursam os colégios mais caros passarem para faculdades gratuitas, enquando a turma da escola pública só consegue vaga nas universidades privadas, as mais caras.
Estudei jornalismo nesta mesma UFRJ – para onde passei, em grande parte, graças aos bons colégios que meus pais puderam pagar. Colégios, que, diga-se de passagem, apesar de caros, não pagavam lá grandes salários aos ótimos professores que tive.
Ao entrar na UFRJ, no segundo semestre de 1982, me deparei com uma instituição abandonada, sem equipamentos, laboratórios e com professores desmotivados.
Hoje, se eu contar a um estudante de jornalismo que passei quatro anos na faculdade sem ver uma única câmera de vídeo, ele não acredita. Uma vez, transbordando de frustração, um colega escreveu um roteiro de curta-metragem na parede do Centro Acadêmico. A universidade pública nos anos 80 era deprimente. Investir no ensino não era prioridade daquela turma que havia tomado o poder em 1964 para livrar o Brasil dos comunistas e colocá-lo nas mãos dos consumistas.
Alguns mestres da UFRJ naquela época só apareciam na primeira aula do ano, quando davam o tema do trabalho final, e na última, para recolhê-lo. Havia um professor de filosofia, que dava aulas completamente bêbado – até ser afastado, após reclamações dos alunos, que achavam que encher o pote na faculdade era uma prerrogativa exclusiva deles. Mas era engraçado ver o docente pinguço falar em Anaximenes e Anaximandro enrolando a língua.
Por falar nisso, na faculdade somos apresentados a figuras das quais só ouvimos falar durante aqueles quatro anos. São os pensadores mais importantes do mundo, embora ninguém fale ou lembre deles fora das salas de aula. Adorno, Maiakovski, Roland Barthes , Foulcault, Marshall McLuhan, Lévi-Strauss (que não foi o inventor da calça jeans, como disse um colega meu na aula de antropologia)...
Massacrados por essa teoria maçante – poderiam ter nos ensinado como fazer um bom texto radiofônico, por exemplo – eu e meus colegas fugíamos para o campo de futebol do campus da Praia Vermelha. Lá, craques como Bussunda, Calígula, Pedal e Bagaceira mostravam que o jornalismo dali a alguns anos seria composto por craques da bola que não deram em nada nos campos de pelada.
E fomos muito felizes naqueles quatro anos de festas, futebol e transgressões. Coroamos com chave de ouro nossa fase café-com-leite da vida. Depois, cada um foi para um lado, aprender jornalismo como se aprende a viver: na prática.

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