domingo, julho 11, 2010

Caminho aéreo para Teerã

Caminho aéreo para Teerã
Tomado de medo de um Irã nuclear, Israel já teria condição de atacar país, mas nega intenção
Renata Malkes

Enquanto jornalistas, políticos e acadêmicos em todo o mundo aguardam o resultado prático das novas restrições econômicas impostas ao Irã, crescem as apostas israelenses em tecnologia para conter o programa nuclear da República Islâmica. O discurso oficial adotado pelo governo de Israel garante que uma ação militar em solo iraniano está descartada num futuro próximo, mas não esconde o fato de que o temor da nuclearização de Teerã é hoje um dos únicos — senão o único — consenso nacional no país: Israel está seguro de que um Irã nuclear ameaça sua existência e crê que sanções não são obstáculos no caminho rumo à bomba.
O premier Benjamin Netanyahu vem enfrentando crescentes pressões de seu governo conservador — sobretudo do ministro das Relações Exteriores, Avigdor Lieberman, do partido ultranacionalista Israel Beitenu — por dar ao mundo a impressão de que Israel concorda em deixar a questão iraniana nas mãos de Washington, mas, internamente, a única certeza quanto ao destino das milhares de centrífugas iranianas é a de que todas as opções estão sobre a mesa.

Mísseis balísticos podem ser opção
Há três meses, entrou em operação o que Israel considera um dos atores principais de uma eventual ofensiva ao Irã: o novo avião não tripulado Eitan, com autonomia de voo de cerca de 20 horas sem reabastecimento e a capacidade de carregar dezenas de toneladas de bombas. A chegada da moderna aeronave — do tamanho de um Boeing 737 comercial e completamente controlada por computador — aumentou os rumores de que, mesmo sem apoio internacional, o país poderia ousar uma manobra para impedir que o governo de Mahmoud Ahmadinejad tenha capacidade de produzir sua primeira ogiva nuclear.
— O avião terá potencial de conduzir novas missões longínquas no tempo certo — limitou-se a dizer, enigmático, o comandante da Força Aérea de Israel, major-general Ido Nehushtan.
Não há sequer uma semana sem a divulgação de alguma perspectiva alarmante sobre um suposto ataque israelense às instalações nucleares, nos mesmos moldes do ocorrido em 1981, quando Israel bombardeou e destruiu a usina de Osirak, no Iraque.
Mas, apesar de uma Força Aérea com tecnologia militar de ponta, o analista militar Alon Ben-David, do Canal 10 da TV de Israel, observa que um dos maiores trunfos do país pode ser o fato de que — segundo ele — governo e Exército estejam despistando a opinião pública mundial. Ben-David diz acreditar que a opção militar deva mesmo ser usada somente num caso extremo, mas ressalta: muito se fala num bombardeio aéreo, mas poucos consideram a hipótese de um ataque feito “do quintal de casa”.
— A imprensa internacional dá pouca atenção à capacidade balística de Israel. Pode-se atacar sem sair de casa.
Desde a década de 90, o país tem mísseis Jericó II, que podem ser lançados daqui e atingir um raio de 1.500 quilômetros de distância, cobrindo todo o Oriente Médio. Especula-se que haja uma nova geração de mísseis, que poderiam levar 750 quilos de explosivos e fazer um estrago considerável — arrisca Ben-David.

Um ano treinando para atacar Iraque
Se na política os desafios de uma incursão ao Irã implicam o risco de uma possível reação do Hezbollah, no Líbano, e da Síria — que poderiam levar a região a um confronto de grandes proporções — no campo militar, a República Islâmica virou um quebra-cabeças para os estrategistas israelenses: bem guardado, o programa nuclear de Ahmadinejad está espalhado em vários distritos, muitas instalações são subterrâneas e há ainda a longa distância de cerca de 1.300 quilômetros de voo de qualquer ponto de Israel até a fronteira iraniana.
O coronel de reserva Zeev Raz, chefe da esquadrilha que bombardeou o reator de Osirak, tenta conter a euforia e adverte que, apesar da tecnologia de reabastecimento em voo para enfrentar o longo percurso, a empreitada exigiria participação humana.
— O avião Eitan é uma revolução.
Ele tem capacidade de atrapalhar as comunicações de rádio do inimigo e servir como espião, captando imagens em alta definição, mas ainda não podemos fazer uma guerra controlada por joysticks de computador. Acredito que o Eitan deve ser trabalhado, precisa de acertos tecnológicos. Seria necessário o acompanhamento de uma esquadrilha de dezenas de caças F-16 tripulados — afirmou Raz ao GLOBO.
O ex-piloto lembra ainda o desafio emocional de missões de grande porte.
Segundo ele, quando o governo Menachem Begin autorizou a ofensiva, todos sabiam que a missão poderia acontecer: foi um ano de treino exaustivo no Mar Mediterrâneo e em cápsulas de simulação. Somente Raz e Ilan Ramon — piloto que se tornou o primeiro astronauta do país e morreu em 2003, na explosão do ônibus espacial Columbia, foram avisados com antecedência — de semanas.
— Eu e Ilan, que fez os mapas, sabíamos, mas os outros pilotos foram avisados só alguns poucos dias antes da partida. O emocional também é um adversário — opina ele, descartando uma ação-supresa.
Evitando conflitos com seus aliados, semana passada foi a vez de o chefe do Estado-Maior do Exército, Gabi Ashkenazi, prometer ao senador republicano John McCain, que visitou o país, que Israel não tem intenções de ataque. Mas as veementes negativas do governo de Jerusalém — intercaladas por ocasionais eclosões retóricas contundentes — não convencem nem quem acha exageradas as preocupações com o regime dos aiatolás.
Um histórico de decisões impensadas — como a que levou Israel a invadir o Líbano em 1982, ou mesmo como a que fez o país anexar territórios após a vitória na Guerra dos Seis Dias — oficializa a sensação de guerra iminente.
Para o professor Hagai Ram, da Universidade Ben Gurion, autor de “Iranofobia, a lógica de uma obsessão israelense”, o país deve agir caso seja ameaçado, sem esperar por ajuda externa, mas ressalva: Israel dá demasiada importância ao Irã.
— Há um consenso irracional e até desproporcional no entendimento da ameaça iraniana. Para Israel, se o Irã tiver acesso a armas de destruição em massa, o objetivo será nos destruir.
Aqui, não é preciso ser um neoconservador para desejar o fim do Irã — admite o pesquisador.

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