sábado, julho 31, 2010

Elas vivem mais e pior

Elas vivem mais e pior
Gazeta do Povo – PR - 29/07/2010
Jornada dupla feminina é uma das possíveis causas apontadas por estudo espanhol sobre a saúde frágil das mulheres mais velhas
Circea D’Alva Perroud, de 70 anos, é quase um compêndio médico, livro que reúne os descritivos das doenças e é uma espécie de bíblia dos profissionais de saúde. Sofre de dores no corpo e tem limitações em algumas atividades cotidianas, como caminhar e varrer a casa, por causa de uma lista de doenças. Ao mesmo tempo, o marido, de 78 anos, se recupera de um Acidente Vascular Cerebral (AVC), sofrido em uma manhã há pouco mais de um mês, por conta da teimosia em não controlar a pressão alta com medicamentos. Na tarde do mesmo dia, ele foi andar de bicicleta pelo bairro. “Ele também operou da próstata, mas o tumor era benigno e nunca mais teve nada”, conta ela. 
O casal brasileiro, morador de Curitiba, traduz o perfil de um estudo espanhol, divulgado na última edição do Journal of Women Health: mulheres vivem mais, porém com pior qualidade de vida. Entre os 4.244 idosos avaliados em 1992, 2000 e 2006, 53% das mulheres com mais de 64 anos e 30% dos homens da mesma idade demonstraram alguma incapacidade nas atividades cotidianas e, por isso, menor qualidade de vida. 
O médico geriatra Fernando Bignardi, coordenador do Centro de Estudos do En velhe cimento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), recorre a um conceito sociológico para analisar a vulnerabilidade da saúde feminina. “A mulher trai a sua natureza da parceria, do acordo, para entrar na competitividade do mundo masculino.
Dificuldades em vestir-se, despir-se, alimentar-se, caminhar, cuidar do próprio dinheiro, levantar-se ou deitar-se foram as ações mensuradas pelo estudo. Os problemas na rotina e na autonomia, em geral, surgiram por causa de doenças degenerativas e depressivas, cuja incidência tem sido maior na população feminina. A condição socioeconômica dos pesquisados também mostrou diferenças entre as incompetências adquiridas por causa da fragilidade na saúde. Os mais afetados são os que tiveram menos acesso ao sistema médico público.
De acordo com o principal responsável pelo estudo, Albert Espelt, pesquisador da Agência de Pública de Saúde de Barcelona, a dupla jornada das mulheres ao longo da vida – no ambiente doméstico e no mercado de trabalho – ajuda a explicar a sua pior condição de saúde na maturidade. “O trabalho em casa é menos gratificante que a carreira profissional e esse desequilíbrio pode levar a distúrbios psicológicos, como a depressão, ou ainda a problemas ósseos e musculares”, observa. 
Circea convive com a osteoporose, diagnosticada há mais de dez anos, que provocou problemas nas costas e articulações: tem artrose e cinco hérnias de disco espalhadas ao longo da coluna vertebral. Também sofre de desgaste ósseo na bacia. A fragilidade dos ossos – herança genética da família, segundo ela mesma – rende fraturas constantes. A última foi uma queda que lhe custou o joelho quebrado, há pouco mais de dois meses. O braço esquerdo foi operado seis vezes. As dez doses diárias de remédios ajudam a controlar os incômodos da fribromialgia, pressão alta, labirintite, rinite, cistite, gastrite e refluxo. Uma catarata também interfere na qualidade de vida da professora aposentada, que briga com a balança por causa do excesso de peso. 
Enquanto Circea lida com médicos de todas as especialidades e é uma usuária frequente e crítica do Sistema de Atenção aos Servidores (SAS), o marido só precisou enfrentar um tratamento médico mais demorado depois do AVC. Aos poucos, recupera os movimentos do lado direito. E está assustado com a sua condição de debilitação depois de tantos anos de trabalho minucioso como ótico e ourives.
O casal sempre manteve hábitos saudáveis, com alimentação equilibrada e livre do sal, que parece ter adiado o AVC dele, mas não foi capaz de evitar os problemas de saúde dela. A “miss expressinho”, como era conhecida nos corredores das escolas onde lecionou em 32 anos de carreira no magistério, precisou aprender a reduzir o ritmo das atividades rotineiras. 
Apesar das limitações físicas, não há doença que tire de Circea a vontade de ficar boa. A religiosidade, fortalecida na terceira idade, a ajuda a enfrentar as dificuldades. E, apesar da diferença entre a saúde dela e do marido, acredita que a mulher seja mais resistente às adversidades. “Tenho esperança de melhorar de saúde. Quero me cuidar para não terminar a vida com sofrimento. Sou uma sobrevivente”, diz.

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