terça-feira, julho 20, 2010

A inusitada esperança de Javier Giraldo

A inusitada esperança de Javier Giraldo
Maria Clara Bingemer, Jornal do Brasil

RIO - Quando o padre Javier Giraldo, homem sereno e de ideias claras, fala da tragédia que o acompanha há mais de 30 anos, o auditório estremece, em silêncio. Desde meados dos anos 90, ele compartilha a sorte de várias famílias, a maioria parentes e amigos de 342 vítimas dos narcotraficantes na zona de Trujillo, na Colômbia. Agricultores expropriados de tudo que possuíam ou ameaçados de espoliação e morte em meio à guerra entre paramilitares e guerrilheiros passaram a ter na voz calma e firme do sacerdote seu único apoio.
Ancorados neste apoio, resistiram à força bruta que queria expulsá-los de suas terras. Constituíram um grupo que denominaram Comunidade de Paz e anunciaram a decisão num Domingo de Ramos, em 1997. Não esperavam que a reação do Exército fosse tão brutal. Os mortos e os desabrigados se multiplicaram. Padre Giraldo e outros três religiosos decidiram ficar. Ajudaram os agricultores a identificar os assassinos e os denunciaram. Há vários que hoje respondem a processo e aguardam sentença.
A represália não se fez esperar. Padre Giraldo foi ameaçado de morte muitas vezes. Recentemente, as ameaças recrudesceram. O ministro do Interior e da Justiça da Colômbia, Fabio Valencia, ofereceu-lhe custódia dentro do Programa de Proteção dos Direitos Humanos. O jesuíta polidamente recusou em carta sucinta e respeitosa. Com impressionante coerência explica que não encontra qualquer lógica em “ser protegido pelas mesmas instituições que perpetraram violações graves dos direitos humanos”, e considera que as vítimas “correm muitíssimos mais riscos do que eu, e por isso eu não me sentiria tranquilo se eu sou protegido, e não elas, que são o motivo real dos meus riscos”.
A coragem de padre Giraldo encontra sua raiz e sustento em espaço diferente daquele onde normalmente se apoiam as seguranças humanas. Após uma conferência durante a qual descrevera a situação do povo e a total falta de perspectiva de reversão a médio e longo prazos, foi acusado de deixar as pessoas sem esperança.
Isso o levou a reelaborar sua concepção de esperança. Ela não se assenta sobre os dois suportes habituais que a fazem subsistir: o êxito e a recompensa. Segundo padre Giraldo, tais situações não se coadunam com o Evangelho. A verdadeira esperança é a que emerge do fracasso.
Padre Giraldo aprendeu isso com os agricultores, que a cada massacre tornam-se mais firmes em sua luta. E também, evidentemente, com o Evangelho. A esperança cristã é filha não de um sucesso, mas de um retumbante fracasso: a morte de Jesus de Nazaré, sobre quem repousavam as expectativas messiânicas de um povo oprimido e sofredor.
Sua ressurreição foi a palavra definitiva que permitiu superar esse fracasso com o sentimento de que, por pior que seja a situação vivida, Deus é maior do que ela e faz brotar a vida ali onde só há morte e impossibilidade.
Por isso, padre Giraldo não tem medo da morte. Por isso igualmente mata de medo seus perseguidores, que não cessam de brandir sobre ele ameaças que só reforçam sua fé e seu compromisso com o povo ao qual é solidário de maneira irreversível.
Maria Clara Lucchetti Bingemer é autora de Simone Weil: a força e a fraqueza do amor (Editora Rocco).
00:03 - 20/07/2010

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