sábado, agosto 14, 2010

A economia dos EUA ainda na UTI

A economia dos EUA ainda na UTI

Luiz Carlos Mendonça de Barros FOLHA DE S. PAULO
O lado negativo é que o americano empregado está aumentando a parcela de sua renda que é poupada

Para os que -como eu- acreditam na recuperação da economia americana ao longo de 2010, os dados relativos ao segundo trimestre deste ano têm representado um teste muito duro.
Uma primeira lição que precisa ser tirada desse verdadeiro choque de realidade é que a recessão de agora é muito mais complexa do que as que a antecederam.
Mesmo para os que entendem a particularidade da crise atual, a resposta da economia aos estímulos monetários e fiscais tem sido mais lenta do que a esperada. Aliás, foi o próprio presidente do Fed que reconheceu isso ao falar aos congressistas americanos há poucos dias.
Mesmo à distância, podia-se sentir o grau de desapontamento de Ben Bernanke.
Mas o que aconteceu entre abril e junho deste ano que levou o mercado a apostar na volta da recessão nos EUA? Em primeiro lugar vamos a alguns fatos revelados pelas estatísticas econômicas desse período. O volume total de crédito para empresas e indivíduos está finalmente se estabilizando, mas a um nível 25% menor do que o verificado antes da crise.
A taxa de desemprego parece ter encontrado também certa estabilidade em um nível bem menor do que os analistas previam há um ano. Mas o número de americanos empregados hoje é quase 8 milhões menor do que o verificado antes da crise. Apesar disso, o total de rendimento do trabalho já é hoje superior ao que prevalecia na primeira metade de 2008. Isso ocorre porque os ganhos salariais dos empregados têm crescido a taxas superiores a 4% ao ano.
Mas o lado negativo da recuperação lenta e incerta é que o americano empregado está aumentando a parcela de sua renda que é poupada. Uma resposta racional ao alto índice de desemprego, que parece ser mais duradouro que nas recessões passadas. Com isso, apesar de o consumo das famílias já ter praticamente recuperado o nível anterior da crise, o crescimento dos gastos dos americanos tem sido bem menor do que o esperado.

Uma forma agregada de medir os gastos na economia americana é acompanhar o que se chama "vendas finais para compradores domésticos". Engloba as compras finais dos indivíduos, das empresas -inclusive os gastos com investimentos- e do setor público.
Nesse número estão incluídos os bens e serviços produzidos internamente e os importados de outros países. Para isolar as importações, existe um indicador -chamado de "vendas finais de bens domésticos"- que trata apenas do que é produzido internamente.
Ao analisarmos esses dois indicadores é que temos a grande surpresa dos números do segundo trimestre deste ano a que me referi. Boa parte do aumento dos gastos dos americanos -empresas incluídas- foi atendida com bens importados.
Se isolarmos o comércio externo americano no período de abril a junho, o PIB teria crescido quase 3,5% ao ano. No mundo real das importações chinesas, o crescimento da economia americana pode ficar abaixo de 1% ao ano.

Esse vazamento da demanda americana para o exterior está sendo muito maior do que se previa anteriormente e, certamente, é uma das causas do desconforto do presidente do Fed em sua ida ao Congresso americano. Parte disso parece se dever a fatores pontuais, que podem ser revertidos em poucos meses. Mas a incerteza aumentou.

Hoje é possível fazer uma avaliação "ex-post" do impacto do pacote fiscal do governo Obama e dos efeitos da política monetária agressiva do Fed. Os efeitos positivos dessas ações são muito claros nos dados econômicos americanos. A demanda criada pelo setor público -gastos e redução de impostos- foi suficiente para compensar a retração do setor privado. Nos últimos meses, os gastos de empresas e consumidores voltaram a crescer de maneira tênue, mas sustentada.
Mas, enquanto parte importante desses gastos for parar na Alemanha, na China e em outros países exportadores, o crescimento dos EUA ficará comprometido. E o risco de tensões políticas pode crescer. O crescimento da demanda nos países superavitários é crucial para sustentar o crescimento global no médio prazo. Qualquer evidência de retrocesso nessa área é preocupante.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 67, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso). Escreve às sextas, quinzenalmente, nesta coluna.

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