domingo, agosto 29, 2010

Luiz Carlos Mendonça de Barros: "Violação de sigilo equivale à tortura"

Luiz Carlos Mendonça de Barros: "Violação de sigilo equivale à tortura"
O ex-ministro diz que não vai se calar diante do acesso ilegal a seus dados fiscais
Guilherme Evelin e Helio Gurovitz – Revista Época

O engenheiro Luiz Carlos Mendonça de Barros, UM dos alvos da quebra ilegal de sigilo perpetrada nas dependências da delegacia da Receita Federal em Mauá, São Paulo, diz que tem a obrigação política, como cidadão, de levar a questão aos tribunais. “Se eu me calar, será uma vitória para eles”, diz Mendonça de Barros, em alusão às pessoas que tinham interesse em seus dados fiscais. Apesar de partilhar a suspeita de que a violação tenha motivação político-eleitoral, o ex-ministro, que ocupou a pasta das Comunicações no governo de Fernando Henrique Cardoso, isenta o núcleo do governo Lula e da campanha da ex-ministra Dilma Rousseff de responsabilidade no episódio.
ENTREVISTA - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

QUEM É
Engenheiro e economista, ligado ao PSDB

O QUE FEZ

Foi diretor do Banco Central, presidente do BNDES e ministro das Comunicações

O QUE FAZ
Atua no mercado financeiro. É acionista da Quest Investimentos

ÉPOCA – O que o senhor pretende fazer depois dessa denúncia de violação de seu sigilo fiscal?  Luiz Carlos Mendonça de Barros – Não sei ainda responder com precisão o que eu vou fazer, mas o que eu não vou fazer é ficar quieto. Meu ponto de vista é muito claro: essa violação do sigilo fiscal guarda a mesma proporção de uma tortura física contra o cidadão pela polícia ou pelo Exército porque se trata de direitos constitucionais do cidadão: o direito à defesa pessoal física e ao seu sigilo sobre as informações que você concorda em partilhar com o governo pela Receita Federal. O Estado é constitucionalmente obrigado a manter o sigilo por meio de um funcionário seu. O crime está caracterizado. Eu não vou ficar passivo porque também isso aparentemente é um padrão de comportamento de um grupo dentro do governo. É uma responsabilidade política minha entrar na Justiça e fazer disso uma questão legal, porque é assim que a gente deve agir em sociedade. Se eu me calar, evidentemente é uma vitória para eles.

ÉPOCA – Havia uma operaçãopolítico-eleitoral em curso?  Mendonça de Barros – É difícil saber a motivação. Há alguns sinais externos. Há aquele jornalista que parece ter sido contratado para fazer os dossiês. Há as características comuns dos quatro nomes ligados ao candidato José Serra. Além disso, a gente sabe que esse pessoal é dado a usar esse tipo de arma no embate político. Mas não sou eu quem vai fazer esse julgamento. Vou simplesmente exigir meus direitos como cidadão.

”Essa ação é tão truculenta que certamente não vem do núcleo do governo e da campanha da Dilma”

ÉPOCA – A Receita abriu uma sindicância e identificou suspeitos da quebra de sigilo. A atuação interna da Receita basta para deter essas ações ilegais?  Mendonça de Barros – Estive no governo duas vezes em dois momentos distintos. Aprendi na prática a respeitar muito a Receita Federal como instituição. Aliás, sempre digo que o Estado brasileiro conta com instituições bastante corretas e independentes em relação às forças políticas. O Banco Central, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) são instituições que estão acima do grupo político que está no controle do Estado. Não tenho dúvida de que o grosso dos funcionários da Receita está revoltado com esses episódios, porque eles só denigrem a imagem da Receita. Aparentemente, dois ou três desses funcionários colocaram o interesse político acima do interesse da instituição. Não tenho dúvida de que esse pessoal vai ser punido. O problema vai ser saber exatamente quem de fora da Receita comandou esse processo. Aí, é mais difícil.

ÉPOCA – O corregedor da Receita, Antônio Carlos Costa D’Ávila, mencionou a existência de um balcão de venda de informações fiscais. Que tipo de objetivo poderiam ter as pessoas interessadas na compra de seus dados?  Mendonça de Barros – Algum tipo de ação ilegal. É muito difícil não perceber que o único elemento mais forte que une o Eduardo Jorge, eu e os outros dois que tiveram o sigilo violado é a proximidade com o Serra. Eu trabalhei com o Serra e somos amigos desde a época da faculdade. Se há um grupo mais abrangente misturando pessoas de diferentes interesses, isso é uma coisa que a Corregedoria tem de explicitar. Não me sinto em condições de fazer um julgamento.

ÉPOCA – Já houve outras situações em que ocorreu violação de direitos constitucionais por questões políticas. O que a sociedade pode fazer para que as garantias constitucionais sejam preservadas? Mendonça de Barros – A primeira resposta óbvia é não calar. Aqueles que foram afetados têm de agir e fazer valer seus direitos. O responsável tem de ser condenado. É a União, em última instância, a responsável por manter o sigilo fiscal. No caso do grampo do BNDES, eu solicitei a abertura de um inquérito da Polícia Federal. Foram identificados os três funcionários públicos que tinham feito o grampo, e eles foram condenados. Hoje, há uma quantidade de livros e de testemunhos sobre a época do nazismo na Alemanha, ou do fascismo na Itália, ou do stalinismo na Rússia. Há pessoas que viveram naquela época e se penitenciam por ter visto agressões aos direitos individuais e ter se calado. A escalada desse tipo de violação acaba numa situação crítica para a sociedade como um todo. Acho que estou cumprindo minha função como cidadão de levar isso aos tribunais.

ÉPOCA – Estamos distantes desse tipo de situação no Brasil, mas há governos na América Latina lançando mão de todo tipo de expediente condenável para manter o controle sobre a sociedade. Qual é o risco de que isso aconteça no Brasil?  Mendonça de Barros – Esse tipo de comportamento político se desenvolve muito rápido em sociedades estruturadas institucionalmente de modo mais frágil. O Brasil tem instituições muito mais fortes e muito mais preparadas para enfrentar esse tipo de situação. Há outra vantagem aqui no Brasil. Se o governo tentar alguma coisa nessa linha, vai ser mais fácil identificar. E, se isso acontecer, não tenho dúvida de que a sociedade aqui no Brasil vai reagir. A começar pela imprensa. Se há alguém com condição de saber aonde isso chega, é a imprensa, porque é o primeiro veículo da sociedade a ser atacado e com mais virulência. Sinceramente, considerando os oito anos de governo Lula, não me parece crível que uma sucessora sua vá trilhar esse caminho. Mas aí vale aquela máxima: não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem.

ÉPOCA – A campanha da candidata petista Dilma Rousseff negou envolvimento com a quebra do sigilo, e o presidente do PT, José Eduardo Dutra, disse que o partido é o maior interessado em esclarecer os fatos e na punição dos culpados. O senhor acredita nisso?  Mendonça de Barros – Acredito. Porque esse tipo de ação é tão truculento, tão medíocre e tão limitado que certamente vem de pessoas com menos sofisticação política do que o núcleo central do governo. Que vantagem eles teriam com uma coisa dessas? Mas sabemos que, dentro do todo político do governo Lula e, agora, da campanha da ex-ministra Dilma, existe um grupo mais truculento mesmo. Os nomes dessas pessoas sempre estiveram vinculados a ações desse tipo, como foi no caso da compra de dossiê contra o Serra em 2006 (no episódio que ficou conhecido como “escândalo dos aloprados”).

ÉPOCA – O fato de terem sido acessados irregularmente os dados do Ricardo Sérgio de Oliveira, também personagem do grampo de privatização da Telebrás, chama a atenção do senhor?  Mendonça de Barros – A única coisa que me chama a atenção é que esse pessoal tem um software muito ultrapassado das relações do Serra. O Ricardo Sérgio, ao que eu saiba, não tem relação nenhuma hoje com o Serra. Um dos indícios de que a origem desse processo é de gente que tem mais truculência do que inteligência são esses pequenos detalhes. Eles usaram uma relação que talvez tenha sido importante e forte no passado, mas que não tem mais nada a ver nos dias de hoje. 

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