domingo, agosto 29, 2010

Poço sem fundo

Poço sem fundo
Miriam Leitão - O Globo

Meia dúzia de pessoas está tomando uma decisão no Planalto que vai mexer com o bolso de incontáveis acionistas, grandes e pequenos, da Petrobras.
O preço do barril a ser cedido à empresa vai definir quantos reais cada acionista terá que pôr na companhia. Essa é definitivamente a forma errada de tomar uma decisão dessa importância, e isso pode provocar muitas brigas na Justiça.
Na época da privatização, eram contratadas duas avaliadoras.
Quando havia discrepância de mais de 20%, uma terceira tirava as dúvidas.
Agora, a divergência é de 100%. Dependendo do preço do barril, o minoritário terá que gastar mais ou menos dinheiro para acompanhar o aumento de capital, ou então ser diluído. A decisão afeta desde os minoritários que investiram com seu fundo de garantia até os grandes investidores brasileiros e estrangeiros.
Não pode ser um chute, ou uma conta de chegar feita por um grupinho a portas fechadas, que tem desde gente que não entende nada do tema, como os ministros Erenice Guerra e Guido Mantega, até quem tem interesse direto, como a Petrobras, ou quem já fez manifesto ideológico em torno do preço ideal, como o presidente da ANP. O presidente Lula disse que esses são os técnicos e que depois ele tomará a decisão política. Nem eles são técnicos, nem cabe decisão política numa questão que mexe com as economias de pessoas e empresas.
A empresa perdeu só este ano 27% de valor de mercado.
A consultora de mercado de capitais da Prosper Corretora, Rita Mundim, lembra que muitos acionistas minoritários usaram o Fundo de Garantia para comprar ações da Petrobras.
— A capitalização virou uma novela mexicana com final infeliz para os minoritários.
O governo se esquece que muita gente usou o Fundo de Garantia no anos 90 para comprar Petrobras.
Isso significa que 30% do sonho de muita gente virou água com a queda das ações este ano. Quem quer comprar imóvel pode ter adiado.
Quem fez dívida pode estar em dificuldade. Até agora, só houve trapalhadas e incertezas — afirmou.
O analista da Spinelli Corretora, Max Bueno, que acompanha Petrobras, estima que se o barril de petróleo for cotado a US$ 8, o minoritário terá que fazer um aporte de 30,7% do valor das ações que possui hoje. Por exemplo, quem tem R$ 100 mil de ações da Petrobras, terá que comprar mais R$ 30,7 mil para manter a participação atual.
Se o governo decidir que o petróleo vale US$ 12, esse mesmo acionista terá que desembolsar 36 mil.
O analista-chefe da Prosper corretora, Eduardo Roche, acha que o aporte do minoritário terá que ser ainda maior, em qualquer um dos casos, acima de 50%. Os especialistas têm dúvidas faltando pouco mais de 30 dias para a operação. Imagine o acionista comum. As informações continuam truncadas, as decisões são tomadas de forma equivocada e as incertezas são inúmeras.
Para se ter uma ideia, o campo de Tupi ainda não possui reservas provadas de petróleo 10 anos após a primeira licitação. Já foram feitas oito perfurações para pesquisa e só há estimativas.
No campo de Franco, que será usado na capitalização da Petrobras, foi perfurado um único poço.
— Só com um poço é muito difícil. É natural que as duas certificadoras tenham chegado a valores diferentes porque as incertezas são muito grandes; as informações, muito poucas. A capitalização jamais deveria ter sido planejada por esse processo — afirmou o ex-diretor de exploração e produção da Petrobras, Wagner Freire.
Ele explica que o processo tem que seguir várias etapas.
Com base em dados geológicos e geofísicos, as empresas identificam que áreas são promissoras, e aí se faz a perfuração exploratória. Depois, são feitos poços adicionais para se saber o montante das reservas. Em seguida, a análise econômica sobre custos de exploração, investimentos necessários, volumes recuperáveis. Em Franco, foi feito apenas um “poço estatigráfico”. Outro, com a mesma técnica, foi feito em Libra, numa área próxima, e provocou um desmoronamento com milhões de reais perdidos.
 Especialistas em petróleo, da área financeira e do setor jurídico estão espantados com o grau de improviso deste processo de capitalização.
Desde o começo, tudo está contaminado pela exploração política. O governo tem pressa porque quer fazer um palanque no dia 7 de setembro sobre a capitalização.
A Petrobras, em quem foi concentrada a exploração do pré-sal, está no limite do seu endividamento e terá que fazer um esforço enorme. Para isso foi imaginado esse tortuoso processo em que o governo cede barris de petróleo a cinco mil metros à empresa e assim se faz a capitalização.
Transfere também títulos da dívida, enquanto os minoritários terão que acompanhar com dinheiro vivo.
Se o processo beneficiar muito os acionistas, haverá transferência de riqueza de todos os brasileiros para alguns — os que são acionistas — porque a Petrobras é uma empresa de capital aberto, que tem 60% de suas ações no mercado. Se prejudicar o minoritário, ele terá perda de patrimônio. A decisão não pode ser tomada por critérios eleitoreiros porque afeta a economia de pessoas e empresas, ou representa transferência de patrimônio público.
A advogada e ex-procuradora da ANP Sonia Agel acredita que após a operação haverá contestações na Justiça.
— O minoritário pode entrar na justiça por se sentir prejudicado. Da forma como está sendo feito, o Ministério Público ou até mesmo uma ação popular pode contestar o processo porque estamos falando de um patrimônio que pertence à União. Uma terceira certificadora deveria ser contratada para definir o valor do barril, e não o próprio governo — explicou.
Essa é uma questão que tinha de estar longe dos palanques.

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