sexta-feira, agosto 13, 2010

A segunda guerra

A segunda guerra
Míriam Leitão
Coalizões eleitorais nem sempre são as coalizões de governo. Em geral, o eleito organiza seu governo, com uma federação de partidos, após as eleições. O PMDB concorreu contra Fernando Henrique em 1994 e entrou para o governo. Depois formou chapa com José Serra, em 2002, mas foi para o governo Lula. Aliás o que seria do PMDB se não pudesse mudar de posição entre campanha e posse?
Portanto, a candidata Marina Silva não proferiu nenhum despropósito quando disse ao Jornal Nacional que, se eleita, passaria então a construir seu governo chamando forças de outros partidos. Seria com uma coalizão formada a partir da eleição. A pessoa eleita e empossada no posto de presidente da República tem condições políticas de fazê-lo, independentemente do tamanho do partido pelo qual concorreu.
O difícil de executar, porque ainda não se viu no Brasil, é o projeto de "governar com os melhores" de cada partido, que ela defende. O PMDB não fisiológico é um animal praticamente extinto. São tão poucos, que não há reserva ecológica que proteja a espécie. Não há muitos Jarbas Vasconcelos no partido. E nem ele está concorrendo para o Congresso. O PT só entra em governo dele mesmo. Aos outros, faz oposição inflexível. É do tipo que expulsa quem contraria a vontade central. O PSDB, que nunca aprendeu a fazer oposição, que votou em propostas feitas pelo governo Lula, pode até ser que atendesse a um chamado de Marina.
Mas o que ela está avisando é que é a única com trânsito no PT, por ter passado lá 30 anos; com trânsito no PSDB, por ser um dos raros quadros, que quando petista, não hostilizava as propostas do governo tucano. Pelo contrário, em alguns projetos deu até apoio e lutou pela aprovação. Isso é raro no ambiente polarizado da política brasileira que opõe com ódios vicerais dois partidos que, nas suas ideias, têm mais em comum do que tolerariam admitir. Ela tem, de fato, trânsito suprapartidário mas isso não quer dizer que seria fácil construir uma coalizão dos melhores de cada partido. Nada é fácil e simples no Brasil. Fernando Collor de Mello saiu de um partido pequeno e efêmero e construiu uma enorme coalizão, o centrão, e com ele governou pelo seu curto e interrompido mandato. Mas ele, como se sabe, não procurou os melhores. Nem era essa a sua intenção. Bem ao contrário.
Confrontada com o fato de o PT estar hoje com os inimigos do passado, a candidata Dilma Rousseff afirmou no Jornal Nacional que o partido amadureceu. É uma boa resposta para justificar más escolhas. É inevitável construir coalizões para governar o Brasil, mas isso não é o mesmo que defender, até as últimas consequências, certas figuras emblemáticas da política brasileira em meio a escândalos, como José Sarney e Renan Calheiros; ou beijar a mão de Jader Barbalho. Isso sem falar no revelador jingle de campanha: É Lula apoiando Collor, é Collor apoiando Dilma.
Governar a partir de primeiro de janeiro de 2011 será difícil para qualquer um. O eleito terá que ter capacidade de liderança e articulação. Dilma Rousseff nunca foi parlamentar, nem tem qualquer experiência como articuladora política. Ela mesma disse que sua fama de durona vem do fato de que cobrava, como mãe, os ministros do governo Lula. Essa não é uma relação que funcione com o Congresso, formado por pessoas que receberam mandato popular. José Serra tem fama de ser centralizador e também de ter um temperamento difícil. O que o favorece é a sua experiência de constituinte, deputado e senador. Sua base parlamentar tende a ser mais fragmentada do que a base a ser formada por Dilma, se ela for eleita. O PSDB e o DEM têm perdido peso parlamentar nas últimas eleições. Enfrentaria também feroz oposição do PT. Marina, na hipótese de que, a hoje terceira nas pesquisas de intenção de voto, seja eleita, teria também dificuldades para gerir a coalizão. Como todo mundo. Suas vantagens seriam a experiência parlamentar e o trânsito em vários partidos.
As dificuldades de governar o Brasil no próximo mandato não virão apenas dos desafios rotineiros de formação e administração da coalizão. Outros problemas terão que ser enfrentados. Como distribuir os cargos entre os partidos da base sem que pareça a repetição da escandalosa ocupação da máquina pública que ocorreu no governo Lula? O tema de como combater a corrupção pode estar ausente das campanhas dos candidatos, mas está cada vez mais presente na cabeça do eleitor, enfraquecendo sua confiança na democracia. Novos abusos como os que são revelados dia a dia, como o de fundos de pensão totalmente partidarizados; informações vazadas de órgãos públicos obrigados ao sigilo, tudo isso tem alimentado uma perigosa descrença nas instituições.
Algumas reformas são urgentes e precisarão de maioria coesa no Congresso e capacidade de articulação com os governadores. Desatinos fiscais do final do governo Lula deixarão um legado difícil de enfrentar. Cortes nos gastos públicos serão inevitáveis. Ao mesmo tempo há cronogramas inescapáveis em obras para preparar o país para os eventos internacionais. Há desafios antigos para serem enfrentados com novas fórmulas e ousadias.
Só após o resultado das eleições parlamentares a pessoa eleita saberá com que forças poderá contar para formar a maioria. As eleições parlamentares serão fundamentais para definir qual será a qualidade da coalizão a ser organizada pela pessoa que vencer as eleições deste ano. Qualquer que seja o vencedor ou a vencedora essa não será uma tarefa trivial.

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