quinta-feira, setembro 16, 2010

A falta dos “porquês”

A falta dos “porquês”
O jornalista contemporâneo não necessariamente está em busca de uma explicação para a essência dos fenômenos. Basta-lhe o lide. De preferência entre aspas. Forneça um e o saciará
Por Alon Feuerwerker – Correio Braziliense
 Os jornalistas não terem direito de réplica em debates eleitorais é um problema. Basta o candidato estar bem treinado e oferecer uma resposta não comprometedora à questão inicial. Pronto, o assunto foi contornado.
Menos mal que ainda não tenham abolido a réplica e a tréplica nas perguntas de candidato para candidato. Mas mesmo aqui as regras são restritivas. O sujeito tem um minuto, ou um minuto e meio, para desenvolver o raciocínio. Não é trivial.
Os políticos reclamam muito da imprensa, mas aprenderam a lidar com ela bastante bem. Alguém explicou a eles que o jornalista contemporâneo não necessariamente está em busca de uma explicação para a essência dos fenômenos, dos acontecimentos. Basta-lhe o lide. De preferência entre aspas. Forneça um e o saciará.
Uso intensivo do senso comum e fornecimento regular de lides, eis uma fórmula.
Mas sempre existe quem deseje ir além. Uma saída engenhosa do entrevistador ou debatedor chato é fazer a pergunta como se já fosse a réplica, para evitar desperdício. Usar a técnica bem desenvolvida por Luiz Inácio Lula da Silva, o estado da arte em comunicação, a referência para qualquer um que deseje se aventurar no ramo.
O estratagema é atribuir algo ruim — ou desagradável — ao adversário (o entrevistado). Nem precisa ser verdadeiro, basta a verossimilhança. Com uma vantagem. Não restará ao atacado nem a saída habitual de mudar de assunto, pois isso se voltaria contra ele. “Não conseguiu explicar.”
Acuse alguém de alguma coisa, e o dito cujo terá alguma dificuldade para se desvencilhar da nhaca da pauta negativa. Terá que se justificar.
De volta ao senso comum. Ele é como a matéria: parece contínuo e consistente, mas visto bem de pertinho é um tanto vazio.
Evite-o. Você pode até perguntar a um político da oposição se ele vai manter o Bolsa Família. Seria mais esperto perguntar por que no governo do PSDB o benefício era tão mais magrinho e chegava a tão menos gente do que no governo do PT.
A resposta à primeira pergunta é trivial. O PSDB está entre os fundadores da prática de distribuir dinheiro público para os mais pobres no Brasil. Já a segunda é mais complicada, pois embute juízo de valor sobre prioridades de governo.
Você pode perguntar a um político governista se ele acredita que a atual chefe da Casa Civil deve permanecer no cargo. Ou então indagar por que é aceitável o filho de um ministro intermediar negócios no governo, especialmente em áreas onde o ministro tem poder de decisão.
A resposta à primeira pergunta é trivial. Ninguém deve ser prejulgado, uma acusação não tem por si o efeito de condenar. Já a segunda é mais complicada de escapar.
O senso comum não costuma resistir a um “por quê?”. Infelizmente, o jornalismo recente estimulou a amputação de duas das seis perguntas do instrumental de construção do lide. Vão bem obrigado o “quem”, o “o quê”, o “quando” e o “onde”. Mas andam esquecidos o “como” e o nosso importantíssimo “por quê”.
Se a economia vai tão bem, e os bancos estão saudáveis além da conta, por que o usuário do cheque especial paga no governo Lula, em ordem de grandeza, o mesmo tanto que pagava no governo de Fernando Henrique Cardoso? E por que as tarifas escorchantes? Por que o spread indecente?
Se as privatizaçoes foram tão boas para o Brasil, por que não privatizar as demais estatais? Se foram tão ruins, por que não reestatizar as empresas já privatizadas?
Por que a oposição derrubou a CPMF depois que o governo já havia aceitado a proposta, vinda da própria oposição, de destinar todo o dinheiro para a Saúde?
Por que o Brasil está ajudando o Irã a ganhar tempo para construir uma bomba atômica?
Se os governantes dizem que fazem tanto pela escola pública, e garantem que elas estão ficando muito boas, por que os filhos deles estudam em escolas privadas?
Há “por que” para todos os gostos e posições. Basta querer usar.  

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