quinta-feira, setembro 16, 2010
Polícia quebrou sigilo ilegalmente de mais de 400 mil a pedido da Petrobras
Polícia quebrou sigilo ilegalmente de mais de 400 mil a pedido da Petrobras
Três funcionários da estatal confessaram que pediam de 800 a 1.000 pesquisas de antecedentes criminais por semana aos policiais
Marcelo Godoy - Estadão
Policiais de São Paulo quebraram ilegalmente o sigilo das fichas criminais de mais de 400 mil pessoas de 2000 a 2009 a pedido da Petrobrás. Essa é conclusão de inquérito policial da corregedoria da Polícia Civil que aponta delegados e funcionários da Divisão de Capturas como responsáveis pela violação do sigilo funcional, crime punido com até seis anos de prisão.
Três funcionários da estatal confessaram ao depor que pediam de 800 a 1.000 pesquisas de antecedentes criminais por semana aos policiais. As pessoas que tiveram a vida vasculhada seriam candidatas a um emprego na estatal ou em empresas terceirizadas contratadas por ela.
Os corregedores receberam uma lista de um dos funcionários da estatal com os nomes das pessoas que tiveram o sigilo quebrado entre janeiro de 2008 a julho de 2009. Há 70.499 pessoas na planilha, das quais 69.229 tiveram o sigilo violado. Como a média de vítimas era de 4 mil por mês, calcula-se que o total de atingidos possa chegar a 460 mil no período de 2000 a 2009.
A corregedoria investigava o caso desde 2009, quando o Estado revelou a existência da quebra do sigilo - na época, a suspeita era que a violação tivesse afetado 60 mil pessoas. A estatal confirmou ontem que pedia as pesquisas e informou se tratar de "prática corrente no meio corporativo".
O problema é que, para os corregedores, a prática configura crime e improbidade administrativa. Em seu relatório, o delegado corregedor José Ferreira Boucinha Neto afirmou que a ação dos policiais causou "prejuízo à administração pública e à milhares de pessoas que tiveram sua vida pregressa devassada de forma irregular e ilegal de modo a atender única e exclusivamente aos interesses empresarias da Petrobrás".
O inquérito com 7 volumes e 1.465 páginas foi encaminhado no dia 3 de setembro ao Ministério Público Estadual, que pode denunciar os policiais acusados na área criminal. O MPE também pode pedir aos acusados e à Petrobrás o ressarcimento de supostos prejuízos causados ao Estado e sua condenação por improbidade administrativa na área civil. Para quantificar o prejuízo com as pesquisas ilegais, a corregedoria pediu à perícia criminal um laudo contábil sobre esses gastos.
Uma lista com 1.200 nomes de pessoas foi apreendida dentro da Divisão de Capturas antes que seus antecedentes criminais fossem pesquisados para a Petrobrás. Dez funcionários da divisão denunciaram a quebra do sigilo e o desvio de funcionários do Estado para executar o serviço particular para a empresa.
Marcelo de Sá Dias, gerente de segurança regional do gabinete do presidente da Petrobrás, disse ao depor que "eram encaminhadas relações nominais de pessoas interessadas em manter vínculo empregatício com a empresa e outras que compõem o grupo, visando à pesquisa de antecedentes criminais".
Brindes. O gerente afirmou que, desde 2001, entregava aos policiais material de escritório, como papel, toner e cartuchos de impressoras. Também entregava "cestas de Natal e brindes" aos policiais. De 2005 a 2007, Sá Dias contou que "passou a fornecer, com autorização de seus superiores, passagens aéreas que deveriam ser utilizadas nas remoções de presos dentro dos Estados da União".
A corregedoria até agora não obteve a lista de presos que foram transportados. Os funcionários da estatal negaram que pagassem em dinheiro aos policiais. Os corregedores investigaram sete delegados de classe especial - o topo da carreira - que teriam conhecimento ou autorizado o que chamam de "parceria" com a Petrobrás.
Três delegados de classe especial e uma funcionária da Divisão de Capturas confessaram que mandavam fazer as pesquisas dos antecedentes criminais para a estatal. Eles contaram que dois integrantes da cúpula da Polícia Civil também tinham conhecimento do suposto esquema.
Os contatos da Petrobrás com a polícia eram feitos por meio de dois funcionários: Adílson Amaral e Regiane Souza de Lima. Eles contaram que mantinham contatos com delegados que autorizavam as pesquisas - a corregedoria recebeu da Petrobrás documentos que mostrariam que dois desses delegados autorizaram por escrito as pesquisas.
Em julho de 2009, o delegado Sérgio Abdalla determinou a interrupção das pesquisas. Ele havia assumido a divisão havia dois meses. Ao Estado Abdalla contou que o sistema de pesquisa de dados existia havia 15 anos - o gerente da Petrobrás chegou a dizer que isso ocorria havia 20 anos. Mas foi a partir de 2000, segundo uma funcionária da Divisão de Capturas, que houve um "acréscimo considerável no número de pesquisas, chegando a uma média mensal de 4 mil".
O QUE DIZ A LEI
"Nas mesmas penas deste artigo incorre quem permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública ou se utiliza, indevidamente, do acesso restrito. Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem. Pena - reclusão de 2 a 6 anos e multa."
Essa é a redação do primeiro e do segundo parágrafos do artigo 325 do Código Penal Brasileiro, que trata do crime de Violação de Sigilo Funcional, definido como "revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo ou facilitar-lhe a revelação".
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