sexta-feira, outubro 22, 2010

Vícios do casal K

Vícios do casal K
MARIANO GRONDONA
Quando alguém tem uma paixão irrefreável, dizemos que sofre de uma dependência.
Os Kirchner, então, são dependentes? Não, por certo, de drogas ou álcool. Suas dependências são mais complicadas.
Uma das figuras mais notáveis da mitologia grega é Narciso, jovem de extraordinária beleza cujo prazer era desdenhar das mulheres que o assediavam.
Então a deusa Nêmesis decidiu castigá-lo. Permitiu que Narciso fosse o primeiro ser humano a ver refletida sua imagem num lago. Ele acabou enamorando-se dela e afogou-se.
O jornalista Andrés Oppenheimer, ao se referir ao caudilho venezuelano Hugo Chávez, chamou-o de “narcisistaleninista”. Fala tantas vezes diante de um público invariavelmente exultante que se pode dizer que o que mais o atrai é ouvir a si mesmo. Quando chama a atenção o fato de Cristina Kirchner falar quase diariamente ante um público igualmente cativo, cabe perguntar se sua motivação íntima não é também, como a de Chávez, converter-se em protagonista.
Esta inclinação se tornou evidente desde 2008, quando, em plena crise com o setor rural, a presidente começou a multiplicar a frequência de suas mensagens. O que se tornou claro, então, foi que a presidente, apesar do efeito contraproducente de seus discursos, sobretudo na classe média, insistia em reproduzi-los continuamente, evidenciando que o que mais lhe importava não era convencer, aprender ou dialogar, mas aumentar sua própria autoestima.
Tal qual Narciso, talvez, na inquieta espera da inexorável Nêmesis.
Essa hipótese sobre o narcisismo de Cristina valeria também para explicar os últimos acontecimentos? O fato é que, ao desempatar outra vez contra o governo para apoiar o aumento dos aposentados, o vice-presidente Cobos repetiu a cena, terrível para a memória dos Kirchner, de seu voto de desempate contra o governo, em 2008, derrotando o aumento do imposto sobre exportações agrícolas.
Mas o mais grave para os Kirchner no voto de Cobos não era tanto a nova derrota do oficialismo no Senado, mas algo inadmissível a partir de uma visão narcisista da política: Cobos se convertera novamente em protagonista, algo inaceitável para a presidente. Que fez então? Ao vetar a lei de aposentadoria, recuperou o protagonismo em menos de 24 horas.
Se há algo inaceitável para um narcisista é que alguém pretenda deslocálo do centro da cena.
Ao aproveitar sua volta ao protagonismo, Cristina Kirchner agrediu de passagem o vice Cobos chamando-o de “okupa” (uma espécie de invasor de propriedade). Foi nesse instante que seu discurso veio a coincidir com a dependência particular de Néstor Kirchner. Para este, somente importa vencer, tanto que seu grupo político foi chamada de Frente para a Vitória.
Mas, se tudo o que importa é vencer, também existe a necessidade de vencer alguém. A presença do inimigo confere a toda batalha seu elemento indispensável. Essa obsessão com o inimigo, própria das ideias autoritárias de Carl Schmitt, foi recuperada a serviço dos Kirchner por Ernesto Laclau e sua associada e mulher, Chantal Mouffe, mas tivera sua expressão mais eloquente na advertência que um destacado politólogo russo, Georgie Arbatov, fez aos vencedores americanos na queda da URSS, em 1989.
“Fizemos a vocês um dano incomparavelmente maior que nossa ameaça nuclear, deixando-os sem inimigo.” O pior que poderia ocorrer ao belicoso Néstor Kirchner, devido à sua dependência de uma vitória que deveria se repetir sempre, é ficar sem inimigo. Ao desempatar novamente a votação do Senado contra o casal K, o vice Cobos passou a cobrir, de imediato, essa necessidade. Ante a ambiguidade de uma oposição desmilinguida, o pior que poderia acontecer a Kirchner é ficar sem inimigo.
Foi quando Cristina, no discurso em que anunciou o veto à lei do Congresso em favor dos aposentados, acudiu em ajuda do marido, insultando Cobos. Que alívio frente à sombria advertência de Arbatov! Apesar dela, os Kirchner haviam ressuscitado sua concepção da vida política, que não é outra senão inverter a famosa advertência de Carl von Clausewitz, segundo a qual “a guerra é a continuação da política por outros meios”. Para os Kirchner, “a política é a continuação da guerra por outros meios”.
MARIANO GRONDONA é jornalista.

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