domingo, maio 23, 2010

O genoma político

O genoma político

Ana Dubeux - Correio Braziliense - 23/05/2010

O Senado criou uma versão light, embora indigesta, do Projeto Ficha Limpa. Numa espécie de manobra semântica, semeou uma polêmica ridícula, lançando dúvidas sobre uma proposta de intenções claríssimas: filtrar a política, retirar dela os vícios e torná-la mais palatável perante a opinião pública. A vontade era tanta de aprovar a proposta, para não dizer o contrário, que o espírito de corpo lançou mão da palavra escrita para calar a cidadania. Incrível: parece mais fácil a ciência criar a vida do que os políticos tomarem vergonha na cara. Um dia, quem sabe, conseguirão sintetizar numa cápsula sentimentos nobres, como a ética, a justiça social, a gentileza, a solidariedade. 
Mas, enquanto não inventam a tal reposição de valores ou recriam em laboratório um genoma político que exclua o corporativismo e possa ser replicado, as ações do Legislativo e dos outros poderes devem ser convites à reflexão, sobretudo neste período pré-eleitoral. O momento de ir às urnas já não é mais o de acreditar, nem de cobrar, é a hora da colheita. Ouvir os discursos com promessas para o futuro é quase um castigo para quem quer ver o presente ser blindado sempre — boas ações são reservadas para tempos distantes, longuínquos. A única coisa que de fato pode nos redimir é analisar o passado: quem é essa pessoa, quem ela já foi, o que já fez e o que deixou de fazer. Dessa forma, podemos ver se ela é coerente, consistente e, sobretudo, honesta. Será muito isso? 
Brasília passou recentemente — e ainda sofre os efeitos disso — por uma situação de humilhação e de constrangimento. As denúncias de corrupção e de saque aos cofres públicos reverberaram na autoestima da capital às vésperas de seus 50 anos. Tornaram-se atalho poderoso ao preconceito do qual a cidade já é vítima desde a sua gênese. É curioso, então, assistir a políticos que já deixaram a cidade à deriva virarem paladinos da Justiça. Também é inusitado ver pessoas acusadas arguirem direitos que não têm. Como não podemos desconsiderar que as más intenções estão impregnadas de um vetor chamado densidade eleitoral, temos que trabalhar, cada um fazendo a sua parte, por uma varredura total e irrestrita, sem perdão nem voto. Estou em litígio com a canalhice. Não importa o tempo verbal, se passado ou futuro. No que depender de mim, em outubro, Brasília terá ficha limpa. 

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