domingo, maio 23, 2010

"Produzir vida do zero é desnecessário"

"Produzir vida do zero é desnecessário"

Para cientista da Unicamp, anúncio da criação do primeiro organismo sintético nos EUA teve muito marketing - Tática mais promissora consiste em ensinar truque novo a micróbio velho; biodiversidade do Brasil pode ajudar

REINALDO JOSÉ LOPES ENVIADO ESPECIAL A CAMPINAS

O geneticista americano Craig Venter causou estardalhaço, na última quinta-feira, ao apresentar o que pode ser considerada a primeira célula sintética de bactéria. "É uma notícia ótima para impressionar investidor", brinca Gonçalo Pereira, da Unicamp, sobre o trabalho.
"Mas não é criação de vida, e há muito marketing aí", afirma Pereira. "O DNA foi introduzido em uma "sopa" pré-formada ["cascas" de bactérias, despidas de seu DNA]. Essa sopa é que é difícil de construir sinteticamente."
O que gente como Pereira chama de biologia sintética não é montar um organismo a partir do zero com matérias-primas nunca vistas antes. O objetivo, mais modesto, é recombinar de formas criativas os materiais que já existem nos seres vivos.

TOME ISTO, VENTER!
Uma das críticas feitas à abordagem de Craig Venter e de sua empresa, a Synthetic Genomics, é justamente esta: a abordagem tradicional, de ensinar truques novos a micróbios velhos, tem avançado bastante e pode dar mais resultado do que a criação de micróbios novos.
"No fundo, o que você quer é tirar a vontade própria desse organismo", explica o pesquisador da Unicamp.
Isso é obtido por meio da transgenia, a boa e já velha inserção de genes novos em organismos. Mas uma transgenia especial: em vez de um gene estranho, são inseridos dezenas, para mudar não apenas um produto (uma proteína, por exemplo), mas para alterar a própria função daquele organismo.
Com a nova tecnologia, a criatura vira uma máquina a serviço de seus mestres humanos. "Essa talvez seja a melhor definição de vida sintética", continua Pereira.
Na busca por um sistema biológico produtor de plástico, a equipe da Unicamp está tentando manter as opções abertas. Há três tipos de organismos candidatos: leveduras, bactérias e plantas.

BARZINHO X EMPRESA
Os desafios de fazer biológica sintética com cada uma dessas "plataformas", como o cientista as chama, é diferente. "O microrganismo é como um dono de barzinho, que tem de fazer tudo, de servir as bebidas a receber no caixa. Ele se vira, embora não faça nada disso bem."
Já o organismo de muitas células é uma empresa multinacional, compara: altamente eficiente, com muitas partes especializadas. "É mais difícil mexer em organismos multicelulares, mais coisas podem dar errado", afirma.
A chave para o sucesso, diz o cientista, é saber combinar os melhores genes com o melhor reator, ou seja, o organismo mais propício a gerar o produto codificado nos genes em grande quantidade e com baixo custo. "A biodiversidade brasileira pode nos dar esses biorreatores."
Até agora, as tentativas de fazer plástico bacteriano tomaram justamente partido desse princípio. "Algumas bactérias já produzem plástico. Um exemplo é o PHB, ou polihidroxibutirato", diz.
"Uma empresa chamada Metabolix pegou os genes do PHB e jogou numa outra bactéria, que é boa de ser produzida na indústria", conta, mostrando uma caneta feita com PHB. O problema é que o PHB é instável. "Se eu deixar com você, daqui a um ano você vai ver o que acontece."

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