O desafio americano
Por Mauro Santayana
A capacidade de liderança dos homens de Estado se funda em duas aptidões. A primeira é a de identificar, nas dispersas vontades populares, a melhor e mais bem lastreada aspiração nacional. A segunda é a de codificar essa aspiração, transformando-a em ideia mestra, e devolvê-la à nação como tarefa histórica.
A trajetória dos Estados Unidos mostra como se fizeram alguns de seus grandes líderes, que agiram com esse bom-senso. Às vezes, eles se orientam por colaboradores argutos, que, seja por comodismo, seja por falta de carisma, não disputam, eles mesmos, o poder. Mesmo quando isso ocorre, a virtude é sempre a de saber avaliar os auxiliares e suas melhores ideias.
Os fundadores da República se valeram da lógica poderosa de um outsider, o inglês Tom Payne: a de que as colônias estavam dentro de um círculo mental absurdo, o da fidelidade à Inglaterra. Como disse, em panfleto que serviu de centelha à independência, era uma situação que contrariava o senso comum. Sendo assim, deu às elites da Nova Inglaterra a razão que levou à Declaração de Filadélfia e ao nascimento dos Estados Unidos. O segundo momento é o de Jackson. Ele encontrou a república acomodada entre o ideal jeffersoniano da vida no campo e o controle do comércio e da indústria que surgia pelos banqueiros. Descobriu o inconformismo dos pequenos empreendedores e da incipiente classe operária, e lhes deu resposta com um governo que ampliou as bases da democracia, ao mesmo tempo em que colocava coleira e corrente nos banqueiros de Filadélfia. Seu governo, concordam os historiadores, correspondeu a um segundo e fértil movimento no desenvolvimento dos Estados Unidos.
O mesmo ocorreu com Lincoln: o grande presidente percebeu que o problema da escravidão deveria ser resolvido, logo, para que a República não perdesse seu rumo. Os americanos pagaram o preço da Guerra da Secessão, mas, sem ela, a tragédia teria sido maior.
Com Roosevelt ocorreu o mesmo. Ele teria que dar resposta à miséria provocada pela insensatez capitalista, que levara à Grande Depressão. Em seu caso, contou com grandes assessores, entre eles o seu Tomas Payne, pelo senso comum com que viu o problema, o assistente social Harry Hopkins. O candidato, em sua plataforma, e o presidente, em sua ação governamental, deu a seu povo, a tarefa histórica de salvar o sistema, mediante as ideias de Hopkins e de Keynes, com o New Deal, e os Estados Unidos puderam liderar o esforço do humanismo ocidental contra o Eixo.
O pronunciamento de Barack Obama, feito solenemente do Salão Oval, anteontem, lembra a coragem dos predecessores citados. Ele entende que os Estados Unidos chegaram ao limite do sistema de produção industrial baseado na energia fóssil. Tal como a quebra de Wall Street naquela terça-feira negra, de 29 de outubro de 1929, o terrível vazamento de óleo do Golfo do México é um chamado a outro new deal, a nova tarefa histórica para a sociedade norte-americana. Obama, chegando à metade de seu mandato, sabe que terá que renovar o seu contrato de esperança com o eleitorado, e para isso nada melhor do que desafiar a sociedade à mais importante tarefa da História: a de desfazer-se do petróleo como a principal e quase única fonte de energia. Ele disse claramente que, até agora, os esforços para a obtenção de uma energia limpa têm sido frustrados pela ação dos lobistas da indústria petrolífera. Segundo o presidente, chegou o momento de os Estados Unidos assumirem o seu próprio destino.
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