quinta-feira, junho 17, 2010
Vem aí a tolerância zero com a bebida
Vem aí a tolerância zero com a bebida
Projeto que deve ser votado na semana que vem na Câmara acaba com o limite de seis decigramas de álcool por litro de sangue e cria uma nova tipificação de crime: conduta suicida, com pena de até 10 anos
Renata Mariz – Correio Braziliense
O cerco aos motoristas que costumam dirigir depois de beber vai se fechar. No lugar dos seis decigramas de álcool por litro de sangue, definidos na Lei Seca como parâmetro para caracterizar uma conduta criminosa, parlamentares querem estabelecer a tolerância zero. O projeto, previsto para ser votado na semana que vem em uma subcomissão criada na Câmara dos Deputados sobre trânsito, não só extingue a quantidade mínima de bebida que o condutor pode ingerir como dá ao agente de trânsito poder para comunicar o flagrante à polícia.
“Hoje as pessoas simplesmente não assopram o bafômetro. Por isso, recebem todas as infrações administrativas, mas não as de cunho criminal. Como a lei fala em seis decigramas, o juiz precisa da prova material, no caso o resultado do teste, para condenar. Então, o que vemos é uma impunidade geral”, argumenta o deputado Marcelo Almeida, relator do projeto na comissão. Segundo ele, o agente de trânsito poderá utilizar, como provas da embriaguez, vídeos, fotos e testemunhas.
Uma outra inovação no relatório que Almeida apresentou terça-feira, sobre 171 matérias relacionadas ao trânsito que tramitam na Casa, é a criação de uma tipificação criminal: a condução suicida. Poderão ser enquadrados nesse artigo, pelo projeto de lei, pessoas que dirigirem com “temeridade manifesta e desapreço à vida alheia”. A pena é de três a dez anos. O novo tipo penal, segundo o relator, é inspirado no modelo espanhol. “Estamos falando do motorista que entra na contramão em alta velocidade, por exemplo, colocando-se como suicida e ao mesmo tempo homicida”, explica Almeida.
Embora a votação do relatório que contém os dois projetos esteja marcada para a próxima quarta-feira, o teor das propostas já começou a levantar discussões. Para o deputado José Aníbal, não faz o menor sentido retirar da lei o teor alcoólico considerado limite. “Ficará muito subjetivo. As pessoas serão processadas com base em quê?”, questiona o deputado. Ele menciona um projeto de sua autoria como alternativa melhor. “Batizei a proposta de ‘quem não bebe não teme’, a despeito dessa justificativa tola que as pessoas inventaram para não fazer o teste, sob o pretexto de que estariam produzindo provas contra si mesmas, meu projeto determina que tem que fazer. Se não fez, é culpa presumida, tem de arcar com as consequências”, destaca.
Marcelo Araújo, da comissão de direito de trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Paraná, avalia como positivo o texto que será votado na subcomissão. “O projeto não proibirá o uso do bafômetro, mas ele deixa de ser fundamental para haver uma condenação. O juiz poderá formar seu convencimento com base em diferentes provas, como ocorre em qualquer outro crime”, diz. Além disso, o especialista destaca que estipular uma quantidade de álcool no sangue como prova de embriaguez desconsidera as particularidades das pessoas. “Um homem de 1,90m, grande, com o estômago bem forrado, reage diferente a duas doses, comparando com uma mulher magra, que bebeu sem se alimentar.”
Araújo ressalta ainda que a pena continua a mesma, seis meses a três anos, podendo ser transformada em medida alternativa. “A intenção do projeto não é mandar gente para cadeia, mas sim fazer com que a lei seja cumprida. Porque se você ficar dependendo de as pessoas se submeterem ao teste, a legislação continuará inócua”, defende o advogado. Nenhum defensor da matéria, entretanto, afasta a possibilidade de efeitos colaterais, como extorsão por parte de autoridades, corrupção e até inocentes sendo condenados. “Acho que em uma minoria dos casos podemos ter problemas, sim. Mas é preciso fazer a mudança e aperfeiçoar o sistema”, ressalta Almeida.
De acordo com ele, o brasileiro terá de ser educado a não beber antes de dirigir. “Lembro-me do cinto de segurança, que ninguém usava há algumas décadas. Gente morria, filho era jogado para fora do carro, mas as pessoas não tinham o hábito. Com a bebida, terá de ser o mesmo processo”, destaca o relator da matéria. Ele afirma, porém, que, sem fiscalização, não haverá efeitos práticos de todas as alterações pelas quais a legislação de trânsito vem passando. A Lei Seca, por exemplo, completará dois anos no sábado. A educação, de acordo com Almeida, é outro ponto a ser reforçado no país.
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