quinta-feira, agosto 12, 2010

O cardeal e o ditador

O cardeal e o ditador
JACKSON DIEHL

O papel do cardeal Jaime Ortega - na foto, como promotor dos direitos humanos em Cuba começou com as Damas de Branco. Em abril, o arcebispo de Havana ficou furioso quando, em dois domingos sucessivos, brutamontes do regime castrista sitiaram a marcha semanal das mulheres que protestam contra a prisão de parentes considerados dissidentes políticos. Ortega mandou uma carta ao presidente Raúl Castro dizendo que “seria covardia da Igreja tolerar isto em silêncio”, disse-me ele.
Ortega e outros líderes da igreja cubana enviaram muitas cartas a Raúl Castro e a seu irmão, Fidel, durante anos. O que foi diferente agora, disse o cardeal, é que recebeu resposta. Em uma semana, Raúl comunicou-lhe que as Damas de Branco poderiam continuar com suas marchas. Em um mês, Ortega teve seu primeiro encontro com Raúl, que começou por contar-lhe que planejava libertar todos os prisioneiros políticos de Cuba.
Desde então, o cardeal, de 73 anos, encontrou-se mais três vezes com o presidente cubano, de 79, para falar sobre a libertação dos presos políticos e as possibilidades de mudança no país.
Não “reforma”, muito menos “democracia” — Raúl não gosta dessas palavras.
Mas Ortega se convenceu de que “isto é algo novo”. A libertação dos presos, argumenta, “abre possibilidades”. Até agora, 24 dissidentes foram levados a Espanha, EUA e Chile; o regime se comprometeu a soltar mais 28 dos mais de 100 que ainda amargam a prisão.
O que é possível? Esta se tornou uma importante questão à medida que a não reforma de Raúl avança e o Congresso americano examina um projeto de lei que retalha o que resta do embargo, levantando todas as restrições a viagens a Cuba e liberalizando ainda mais as exportações de alimentos. No dia 1° , Raúl anunciou que o governo autorizaria mais negócios privados, em parte para ocupar os cerca de 1 milhão de cubanos — 20% da força de trabalho — que Havana quer dispensar.
Uma análise é que isto é o replay da estratégia padrão do castrismo para tirar o regime de enrascadas. A situação da economia cubana está ainda pior hoje: a produção de alimentos caiu 7,5% no primeiro semestre e a última safra de cana-de-açúcar foi a pior em um século. Na última vez que a ilha enfrentou uma crise econômica tão severa, no início dos anos 90, Fidel afrouxou os controles sobre a empresa privada.
Tão logo a economia se recuperou, ele fechou muitos dos negócios que autorizara.
Libertação de prisioneiros também não é novidade: Castro o fez em 1969, 1979 e 1998.
Ainda assim, alguns em Cuba e no exterior acham que Raúl está em meio a algo diferente. Ele entende, dizem eles, que o regime stalinista não pode sobreviver na forma atual, e pretende modernizálo e estabilizá-lo antes que ele e seu irmão morram. Raúl enfrenta forte resistência da parte de Fidel, que — depois de quatro anos de ausência —, começou a aparecer em público dias após a primeira libertação de prisioneiros.
Mas Raúl, diz-se, está determinado a levar à frente, metodicamente, um programa de mudanças que se estenderá por anos, não meses.
O cardeal Ortega parece se alinhar com a hipótese mais otimista. Ele estava em Washington na semana passada para receber um prêmio, em sua segunda visita em dois meses — vinha se encontrando com membros do governo Obama e do Congresso. Ele sugere que uma grande parte da agenda é voltada para a melhoria das relações com os EUA, de modo que a economia cubana possa ser revivida com o comércio bilateral e os investimentos americanos.
“Ele tem desejo de uma abertura com o governo americano”, acha Ortega. “Ele repetiu-me várias vezes que está pronto para conversar com os EUA diretamente, sobre todos os assuntos.” Isto inclui as reformas democráticas que o governo Obama exige como condição para melhorar as relações? “Tudo tem de ser passo a passo. Não é realista começar pelo fim. O mais importante é dar os passos no processo.” Não duvido da sinceridade do cardeal.
Mas acho difícil crer que Raúl seja o Gorbatchev cubano. Ele se parece com Yuri Andropov, um dos idosos e frágeis antecessores de Gorbatchev, que sabia que o sistema soviético era insustentável, mas não tinha determinação para transformá-lo. Ortega pode estar certo sobre seu diálogo com Raúl ser algo novo em Cuba. Mas o tempo de mudança real — e de maior engajamento dos EUA — ainda não chegou.

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