quinta-feira, agosto 12, 2010

Um país de escravos

Um país de escravos

João Luiz Mauad

Todos os países desenvolvidos, que têm sistema de bem-estar social, têm carga tributária bem mais elevada, em cerca de 50% do PIB. Do outro lado, há países mais pobres na América Latina, no Caribe e na África, cuja carga tributária é bem baixa, inferior a 15%. Resultado: eles não têm recursos para adotar políticas sociais e o Estado é praticamente inexistente. O Brasil está numa posição intermediária: em 2009, a carga tributária foi de 34%. A arrecadação nesse patamar é decisiva para que o Estado possa atuar para reduzir as desigualdades sociais, fazer os investimentos necessários em Educação, Saúde, Segurança e atacar as deficiências de infraestrutura.”
Quem disse o que vai acima foi o presidente Lula, respondendo a um leitor de sua coluna semanal, publicada em mais de uma centena de jornais país afora.  Alguma razão lhe assiste, pois sem recursos a existência do Estado seria inviável.  Fora os anarquistas, ninguém discute a necessidade dos impostos.  A questão importante é outra: a relação ótima entre custos e benefícios dos tributos.
Qualquer tributo é, por definição, um ônus forçado aos cidadãos. Não se trata de uma escolha voluntária, mas de uma imposição (daí o nome: imposto). Embora os impostos sejam uma agressão à liberdade e à propriedade, nós os aceitamos por conta da necessidade de financiamento da força estatal, necessária para que tenhamos assegurada nossa segurança individual e coletiva, além dos serviços de infraestrutura que, por dificuldade de individualização e cobrança, não seriam interessantes à iniciativa privada (como urbanização, arruamento e iluminação pública, por exemplo).
Portanto, embora cobrados de forma coercitiva, os tributos pressupõem uma justa contraprestação do Estado em serviços.  É aqui, neste ponto, ao comparar o caso brasileiro com o de países desenvolvidos, que o presidente perde completamente a razão.  Senão, vejamos:
Qualquer pessoa bem informada sabe que a carga tributária no País anda pela casa dos 35% do PIB (equivalente à da Inglaterra).   Esse número é uma medida real do quanto o Leão arranca dos pobres coitados que ainda insistem em produzir riquezas, de maneira formal e civilizada, no Brasil.  Mas há também um outro dado que ainda muito poucos conhecem: trata-se do índice que mede a carga tributária potencial ou, em outras palavras, o limite da voracidade fiscal, o tamanho da mordida do Leão se não houvesse no Brasil sonegação, inadimplência ou informalidade.
De acordo com um estudo de 2006, do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, se todos pagassem corretamente os seus tributos estaríamos transferindo à Fazenda Pública nada menos que 59,38% do PIB.   É isso mesmo, leitor, você não leu errado.  O apetite do fisco chega a incríveis 60% do PIB. 
Pode parecer um cálculo exagerado, mas a realidade não para de corroborar com a conclusão do IBPT, já que a arrecadação vem crescendo bem acima do PIB de forma recorrente, ano após ano, mesmo naqueles em que não houve criação de novos tributos, aumento de alíquotas ou base de cálculo dos existentes.
Como se isso não bastasse, além dos impostos, taxas, contribuições e encargos que o governo nos toma, sem dó nem piedade, precisamos pagar ainda pela nossa saúde, pela educação dos filhos, muitas vezes por segurança particular e por mais uma série de outros serviços que deveriam estar a cargo dos governos.  Não é difícil concluir que o Estado brasileiro gasta mal. 
Segundo dados da  revista Veja, a cada ano aproximadamente 92% dos gastos do governo federal – excluindo-se pagamento de dívidas e transferências – são engolidos pelas engrenagens do Estado. De cada cem reais, 25 são destinados ao pagamento de pessoal e outros 67 ao custeio da máquina – despesas que vão do cafezinho servido nas repartições públicas à gasolina que move os veículos de autoridades.
 Para investimentos em infraestrutura, segurança, defesa, saúde etc., sobram somente 8%.  Resumindo: as atividades-meio consomem muito mais recursos que as atividades- fim.  Qualquer empresa, com tal perfil orçamentário,  já teria falido há muito tempo.
Mas não pense o leitor que o descalabro acaba aí. Um trabalho de 2008, do mesmo IBPT, mostra que, nos primeiros 20 anos após a promulgação da Constituição de 1988, foram emitidas no País nada menos do que 3.7 milhões normas reguladoras da vida dos cidadãos brasileiros, o que equivale ao absurdo de 766 atos editados por dia útil.  Desse total, nada menos que 240.210 foram atos impositivos ou regulamentações de natureza tributária, que equivalem a duas normas por hora.
Nesse emaranhado de leis, decretos, instruções normativas e outros babados, é praticamente impossível a qualquer um conhecer, com um mínimo de segurança, as regras vigentes.  Para sobreviver nessa selva, empresas dependem da assessoria contábil, jurídica e fiscal de inúmeros especialistas, caso queiram manter-se relativamente atualizados em relação às suas obrigações perante a Administração. 
De acordo com  a FIESP, as empresas gastam algo em torno de 1,5% do PIB, por ano, só para manter pessoal, sistemas e equipamentos necessários para satisfazer as normas impostas pela burocracia tributária.  Como não existe almoço grátis, o Brasil tem um dos maiores custos de transação do mundo, com reflexos terríveis nos níveis de competitividade.
Além disso, como direitos e deveres não são nítidos, os pagadores de impostos tornam-se reféns de agentes públicos mal intencionados, que não raro se valem da altíssima complexidade legal em proveito próprio.  “As leis abundam em Estados corruptos”, já dizia Tácito.
Diante de tamanho descalabro, a pergunta óbvia é: que futuro afinal se descortina para uma nação de escravos, subjugada por um Estado obeso e perdulário, que lhe cobra com imensa voracidade mais de 50% de toda riqueza produzida e, de volta, só lhe dá migalhas?  Dá para comparar a nossa situação com a dos países desenvolvidos, como pretende o presidente Lula?
Fonte: Jornal “Diário do comércio” – 5/8/2010

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