terça-feira, setembro 07, 2010

Pobreza da democracia brasileira

Pobreza da democracia brasileira
Leonardo Boff – Jornal do Brasil
 Tempos de campanha eleitoral oferecem ocasião para fazermos reflexões críticas sobre o tipo de democracia que predomina entre nós. É prova de democracia o fato de que mais de 100 milhões tenham que ir às urnas para escolher seus candidatos.
Mas isso ainda não diz nada acerca da qualidade de nossa democracia.
Ela é de uma pobreza espantosa ou, numa linguagem mais suave, é uma democracia de baixa intensidade, na expressão do sociólogo português Boaventura de Souza Santos. Por que é pobre? Valho-lhe das palavras de uma cabeça brilhante que, por sua vasta obra, mereceria ser mais ouvida, Pedro Demo, de Brasília.
Em sua introdução à sociologia (2002) diz enfaticamente: Nossa democracia é encenação nacional de hipocrisia refinada, repleta de leis bonitas mas feitas sempre, em última instância, pela elite dominante para que a ela sirva do começo até o fim.
Político é gente que se caracteriza por ganhar bem, trabalhar pouco, fazer negociatas, empregar parentes e apaniguados, enriquecer- se às custas dos cofres públicos e entrar no mercado por cima. Se ligássemos democracia com justiça social, nossa democracia seria sua própria negação (págs. 330-333).
Essa descrição não é caricata, salvo as poucas exceções. É o que se constata dia a dia e pode ser visto pela TV e lido nos jornais: escândalos da depredação do  bem público com cifras que sobem a milhões e milhões. A impunidade grassa, porque crime é coisa de pobre; o assalto criminoso aos recursos públicos é esperteza e privilégio de quem chegou lá, à fonte do poder. Entende- se por que: em contexto capitalista como o nosso, a democracia primeiro atende os que estão na opulência ou têm capacidade de pressão, e só depois pensa na população atendida com políticas pobres. Os corruptos acabaram por corromper também muitos do povo. Bem observou Capistrano de Abreu em carta de l924: Nenhum método de governo pode servir, tratando-se de povo tão visceralmente corrupto com o nosso.
Na nossa democracia, o povo não se sente representado nos eleitos; depois de uns meses nem mais sabe em quem votou. Por isso não está habituado a acompanhá- lo e a fazer-lhe cobranças.
Ao lado da pobreza material é condenado à pobreza política, mantida pelas elites. Pobreza política é o pobre não saber as razões de sua pobreza, é acreditar que os problemas dos pobres podem ser resolvidos sem os pobres, só pelo assistencialismo estatal ou pelo clientelismo populista. Com isso, aborta-se o potencial mobilizador do povo organizado que pode exigir mudanças, temidas pela classe política, e reclamar políticas  públicas que atendam a suas demandas e direitos.
Mas sejamos justos. Depois das ditaduras militares, surgiram em toda a América Latina democracias de cunho social e popular que vieram de baixo e por isso fazem políticas para os de baixo, elevando seu nível. A macroeconomia capitalista segue mas tem que negociar.
A rede de movimentos sociais, especialmente o MST, colocam o Estado sob pressão e sob controle, dando sinais de que a democracia pode melhorar.
Vejo dois pontos básicos a serem conquistados: primeiro, a proposta de Boaventura de Souza Santos que é de forjar uma democracia sem fim, em todos os campos, especialmente na economia, pois aqui se instalou a ditadura dos patrões.
Ela é mais que delegatícia, é um movimento aberto de participação, a mais ampla possivel. O segundo é uma ideia que defendo há anos: a democracia não pode ser antropocêntrica, só pensando nos humanos como se vivêssemos nas nuvens e sozinhos, sem nos darmos conta de que comemos, bebemos, respiramos e estamos mergulhados na natureza da qual dependemos. Então, importa articular os dois contratos, o social com o natural; incluir a natureza, as águas, as florestas, os solos, os animais como novos cidadãos que têm direitos de existir conosco, especialmente os direitos da Mãe Terra. Trata-se então de uma democracia sócio-cósmica, na qual os seres humanos convivem com os demais seres, incluindo-os e não lhes fazendo mal. O PT do Acre nos mostrou que isso é possível ao articular cidadania com florestania, quer dizer, a floresta respeitada e incluída no bem viver dos povos da floresta.

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