terça-feira, setembro 07, 2010

Política nuclear e debate eleitoral

Política nuclear e debate eleitoral
Análise - Marly Motta – O Globo
 Tema controvertido, e mesmo explosivo, a questão nuclear tem ocupado historicamente um lugar pouco relevante no debate eleitoral brasileiro. Na década de 1950, no auge da polêmica sobre o controle das fontes energéticas do país, o slogan nacionalista “O petróleo é nosso!” inflamou o eleitorado brasileiro.
Essa politização acirrada do assunto “petróleo” e, sobretudo, o caráter sigiloso que envolvia a nova tecnologia nuclear esvaziaram o possível apelo eleitoral da autonomia científica e tecnológica nuclear do Brasil. Distante do calor das urnas, a questão nuclear ficou mais restrita aos gabinetes de cientistas e militares, divididos entre a aproximação com os Estados Unidos, na esperança de uma transferência de tecnologia que dependia da aprovação do Congresso americano, e a busca de uma alternativa tecnológica nacional que garantisse ao país um programa nuclear razoavelmente independente.
A ditadura militar imposta em 1964 não só acabou com as eleições diretas para presidente da República e com o debate eleitoral. Também fez com que o rumo da política nuclear brasileira fosse tratado, a partir de então, como assunto de Estado, já que abria a possibilidade de inserção do Brasil — como ocorreu com a China Comunista em 1964 — no restrito clube de países que dominavam a tecnologia da “bomba”. Por isso mesmo, foi de cautela a posição de Brasil e Argentina em relação às iniciativas promovidas para conter a chamada “proliferação nuclear” — ambos os países, por exemplo, não assinaram o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), aprovado em 1970.
Estava aberto o caminho para a construção de usinas nucleares no Brasil. Restrita a um pequeno grupo do meio científico e militar, a tomada de decisão em relação ao acordo com a empresa norte-americana Westinghouse para a construção de Angra 1 não envolveu, obviamente, um debate mais amplo com a sociedade civil. As restrições à transferência de tecnologia contidas no acordo com a Westinghouse impulsionaram o governo de Ernesto Geisel (1974-79) a assinar, em junho de 1975, um acordo com a Alemanha para a construção de oito usinas no país, incluindo o acesso ao circuito nuclear completo, enriquecimento de urânio incluso.
Na década de 1980, a grave crise econômica, conjugada com a associação entre a ditadura militar e o programa nuclear, e mais o temor provocado pelos acidentes de Chernobyl (1986) e do césio de Goiânia (1987) acabaram levando o tema para a campanha presidencial de 1989. Os principais candidatos — Fernando Collor, Lula e Leonel Brizola — foram instados a responder o que fariam com o programa nuclear. Vitorioso, Collor (1990-92), no seu melhor estilo, jogou uma “pá de cal” no sítio de testes nucleares na Amazônia. A criação da Associação Brasil-Argentina de Contabilidade e Controle (Abacc), em 1991, visando ao controle mútuo dos respectivos programas nucleares, bem como a inclusão do Brasil como signatário do TNP, em 1998, sinalizavam a intenção do país de seguir a ordem internacional estabelecida.
A política nuclear ganhou novo colorido no governo Lula, com a proposta de inserção do Brasil como um ator relevante no cenário internacional.
Não por acaso, a intermediação do presidente brasileiro na questão do polêmico programa nuclear do Irã ganhou as manchetes do mundo inteiro.
Essa visibilidade internacional, no entanto, pelo menos até agora, não conferiu qualquer destaque à questão nuclear no atual debate eleitoral. Ao leitor, um convite à reflexão.

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