segunda-feira, setembro 20, 2010

Um salto para o crime

Um salto para o crime
Paraquedistas se tornam desertores para engrossar fileiras do tráfico e da milícia
Vera Araújo – O Globo
 Cada vez mais paraquedistas abandonam a vida na caserna para pousar no campo minado do tráfico ou das milícias.
Homens de elite do Exército com mais cursos especializados em combate, os militares da Brigada Paraquedista são alvos fáceis das quadrilhas, uma vez que não há perspectivas de emprego quando saem do quartel.
Uma pesquisa feita pelo Centro de Produção, Análise, Difusão e Segurança da Informação do Ministério Público Militar (MPM) revela que, de janeiro de 1997 a agosto de 2007, houve 191 deserções, sendo 175 só de soldados, oito sargentos e oito cabos, alguns reincidentes. De acordo com o levantamento, 25 cometeram crimes depois da deserção (16,13%).
As táticas militares mostradas por bandidos da quadrilha do chefe do tráfico da Rocinha, Antonio Bonfim Lopes, o Nem, durante uma manobra para protegê-lo, que culminou com a invasão do Hotel Intercontinental, em São Conrado, no mês passado, chamou atenção para os “soldados” do traficante. No último dia 1o, foi preso o ex-cabo paraquedista Jorge Luiz de Oliveira — cujo nome na caserna era J. Oliveira e, no morro, tinha o apelido de Jorginho PQD —, acusado pela polícia de fazer a segurança de Nem.
Quadrilha de Nem tem quatro ex-militares
Antes da pesquisa do MPM, o promotor João Rodrigues Arruda revelou que 1.172 militares desertaram das três Forças Armadas de 2000 a 2005. Deste total, houve 142 deserções só nos quartéis da Brigada Paraquedista. Na lista dos que abandonaram a tropa de elite neste período, quatro já foram presos ou ainda atuam no tráfico da Rocinha como seguranças, armeiros ou compradores de armas e munição. O GLOBO cruzou os nomes da lista com dados dos processos da Auditoria de Justiça Militar, do Tribunal de Justiça do Rio e do Detran.
Na lista de desertores de 2000 a 2005, cerca de 20% dos militares têm antecedentes criminais, que incluem de tráfico a crimes enquadrados pela Lei Maria da Penha. O GLOBO ouviu alguns militares que serviram neste período e saíram depois de sete anos de serviços prestados.
Eles confirmam que alguns colegas que desertaram foram se integrar ao tráfico e às milícias, onde ganham até R$ 5 mil mensais.
Um dos listados, Hudson Leandro dos Santos, de 31 anos, é um dos que mais têm anotações criminais em sua ficha: seis. Além de deserção, prevista no Código Penal Militar, ele responde por tráfico, na Cidade de Deus, onde foi preso, em agosto de 2006. Por este crime, chegou a ser condenado a mais de quatro anos de prisão, de acordo com processo na 2aVara Criminal de Jacarepaguá.
Jorge, Hudson e outro militar suspeito de integrar o bando de Nem serviram com o ex-paraquedista X., que pediu para não ser identificado, embora não tenha sido desertor. Ele contou que, dos três, Jorge era o mais preparado: — J. Oliveira era um cara vibrante. Não fumava, não cheirava. Ele era bom de tiro, excelente na parte física. Ele era atleta, judoca que competia pela Brigada, mas ele comentava que era revoltado com o sistema. Sabia que não tinha perspectivas quando saísse do quartel, não tinha um auxílio desemprego.
Segundo X., que passou sete anos na Brigada Paraquedista, chegando a atuar nas missões de paz no Haiti, não há amparo financeiro suficiente por parte do Exército, quando eles deixam a caserna. Os jovens entram pelo serviço militar obrigatório e depois optam por trabalhar na Brigada Paraquedista. Quando o militar sai, leva o equivalente a um soldo por ano que esteve no quartel.
— É muito pouco. Não dá nem para comprar uma carrocinha de cachorro quente. Do Exército, a gente só leva os ensinamentos. Eles ensinam a gente e depois jogam na rua — contou o ex-paraquedista, que reclamou também da falta de acompanhamento psicológico.
Segundo X, dos cerca de 3 mil homens que conheceu ao longo dos sete anos de Brigada, pelo menos 100 estão envolvidos com tráfico, 50 com as milícias, mil desempregados e o restante vive do subemprego.
— Perdi a conta do número de vezes que fui convidado por milicianos e traficantes. A gente fica rotulado como PQD. A gente chama atenção dos bandidos. Agora, para um bom emprego, toda a minha especialização não interessa. Já me chamaram para fazer manutenção do armamento para ganhar, no mínimo, R$ 500 por semana.
Eu não aceitei — comentou o ex-paraquedista, que já foi assaltado por um ex-colega.
Uma das queixas dos militares é que não há uma desmobilização, uma passagem da vida no quartel para o cotidiano civil. Coordenador do Centro de Estudos de Direito Militar (Cesdim), o promotor João Rodrigues Arruda, autor da pesquisa pioneira sobre o número de desertores de 2000 a 2005, defende um trabalho para o militar se readaptar, gradualmente, a uma vida sem a adrenalina de uma força especial.
— É preciso se preocupar com a questão da desmobilização, principalmente dos militares que recebem instruções especializadas. Os últimos dois anos dos paraquedistas têm que ser longe da agressividade, e não apenas dar tiro ou cuidar de explosivos.
Tem que tirar este condicionamento — disse Arruda.
O coordenador do Cesdim acredita que, com as Unidades de Policia Pacificadora (UPPs), o aproveitamento de paraquedistas pelas forças policiais se tornou uma realidade distante.
— O problema não é alocar o pessoal nas polícias militares, porque eles foram formados para o combate. Experiências passadas mostraram que paraquedistas aproveitados pelo Bope tiveram problemas. Houve conflito de lideranças. O soldado não pode ser empregado como policial, porque o PM, na atual política de segurança voltada aos direitos humanos, tem que tratar bem o cidadão. O militar da Brigada Paraquedista foi talhado para lutar com o inimigo — comentou.
Especialista em estratégia militar da Unicamp, o coronel Geraldo Cavagnari, explicou que o paraquedista é o tipo de combatente que interessa ao tráfico: — Infelizmente, alguns jovens já entram para a Brigada com a intenção de se especializar para depois atuar no tráfico. O treinamento é intenso. Eles têm ótimo preparo físico, táticas de combate e domínio das armas e explosivos.
O paraquedista é preparado para guerrilha urbana. Se eles não tiverem uma família estruturada, quando saem do quartel, correm o risco de serem aliciados pelo tráfico.
Em nota, o Centro de Comunicação Social do Exército informou que Brigada de Infantaria Paraquedista tem cerca de 5.200 homens, distribuídos em 16 organizações militares. Sobre as medidas que vêm sendo tomadas para evitar que os paraquedistas sejam cooptados por criminosos, o Exército explicou que tem a preocupação de preparar técnica, física, e moralmente seu pessoal, a fim de evitar que “seus reservistas venham a aderir ao crime”. Por conta disso, segundo a nota, o Exército tem estimulado “atributos da área afetiva, como: patriotismo, civismo, camaradagem, abnegação”.
Finalizando a nota, o Centro de Comunicação Social ressaltou que, desde 2004, realiza o Projeto Soldado Cidadão, visando a formação profissional do jovem, para que ele ingresse no mercado de trabalho ao sair da corporação.
De arma em punho contra ex-colegas
Desertor foi fotografado durante incursão do Exército na Rocinha
 O desertor Jorge Luiz de Oliveira, de 29 anos, apontado pela polícia como um dos seguranças do traficante Antonio Bonfim Lopes, o Nem da Rocinha, já havia sido flagrado empunhando uma arma na favela de São Conrado. Um ano depois de deixar o Exército, onde serviu de 1989 a 2005, o ex-cabo J.
Oliveira foi fotografado, em 14 de março de 2006, do lado oposto: o do tráfico, combatendo ex-colegas de farda. Na época, a Rocinha foi cercada por 300 militares, numa operação com a finalidade de recuperar 11 armas roubadas do Estabelecimento Central de Transporte do Exército, em São Cristóvão, em 3 de março daquele ano.
Apesar de ter sido flagrado armado, J.
Oliveira alegou que o fuzil era de brinquedo, quando foi preso pela Divisão Antissequestro (DAS), no último dia 1o As fotos revelaram ainda que o ex-paraquedista estava com cúmplices no alto de uma laje no morro, no dia da incursão do Exército, observando a movimentação dos ex-companheiros por um binóculo.
J. Oliveira ganhava R$ 5 mil para fazer a segurança de Nem, que ainda lhe deu a gerência de uma boca de fumo como prêmio. Um militar que serviu com ele na Brigada Paraquedista contou que o ex-cabo costuma fazer paródias das músicas militares.
— Ele sempre fazia músicas criticando o Exército. Até da bóia (comida) do quartel o J. falava mal — comentou o ex-militar.
Outro militar que atuava na Rocinha era o ex-paraquedista, também desertor, Fábio Ângelo Ovídio. Segundo a polícia, ele era suspeito de vender munição de fuzil do Exército para os bandidos da favela. Também há um outro integrante do bando da Rocinha que, apesar de ser apontado como um dos ex-paraquedistas da linha de frente para invasões em favelas, não tem antecedentes criminais. Segundo a polícia, muitos ex-militares trabalham para o tráfico, mas têm ficha limpa. Alguns, têm até carteira assinada, mas atuam como armeiros, como um que atua na favela do Muquiço, em Guadalupe.

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