sábado, outubro 30, 2010

A variável do ambiente

A variável do ambiente
Nas entrelinhas
Alon Feuerwerker – Correio Braziliense
Um dado curioso neste fim de era Lula: ao impulsionar a transformação do pobre em classe média, o PT ajuda a desenhar um país teoricamente menos permeável às ideias remanescentes do PT original.
Passada a eleição, haverá inevitável louvação aos vencedores e igualmente esperadas críticas aos derrotados. É da natureza humana. Quem vencer terá feito tudo certo. E quem perder deverá receber em silêncio a batelada de laudos dos engenheiros de obra feita.
Mas a verdade é que o homem interpreta um papel no teatro da história a partir de enredo constrangido. Não há improvisos sem limite, ninguém é livre para fazer o que bem entende.
A ação política é em larga medida delimitada pelo ambiente, pelo espírito predominante na época. Um exemplo é o debate atual sobre as privatizações.
No começo dos anos 90, o cansaço era com o Estado ineficaz e perdulário. Duas décadas e algumas crises financeiras depois, o Estado é visto pela maioria como a reserva de segurança contra as incertezas do capitalismo.
Eis uma vantagem comparativa e competitiva do PT nestes dias. Ele rema a favor do espírito do tempo numa época em que o vento estatista ainda não encontrou entre nós seu limite. Já o PSDB carrega os bônus e os ônus de ter ajudado a arrastar o país pelos cabelos para um capitalismo mais merecedor do nome.
Mas os tempos dão sinais de esgotamento e um sintoma foram os vinte milhões de votos recebidos por Marina Silva no primeiro turno. O eleitor está à cata de alternativas. Além disso, o Brasil que chamarei de moderno na falta de nome melhor anda em relativo descompasso com o país ainda hegemônico.
O equilíbrio político que vai resultar da eleição, se confirmados os prognósticos, será resultado dessa contradição entre os vetores da hegemonia e do cansaço com ela.
E o equilíbrio, disfarçado pela maioria ilusória que qualquer governo alcançará no Congresso, exigirá em teoria uma grande reserva de paciência do presidente para negociar num regime de 24x7x365.
O Brasil que vai sair das eleições terá dado o recado sobre seu perfil plural e contraditório. E aqui desempenha um fator: o crescimento acelerado da classe média, cujos valores tendem a mimetizar o pensamento do topo social.
Um dado curioso neste fim de era Lula: ao impulsionar a transformação do pobre em classe média, o PT ajuda a desenhar um país teoricamente menos permeável às ideias remanescentes do PT original.
Com o tempo, vai crescer a importância de temas como o direito à propriedade. Será função da democratização da propriedade. Quem passa a ter algo de seu fica menos permeável à pregação de que os que têm precisam transferir uma parte para os que não têm.
Se o altruísmo fosse natural no homem não precisaríamos das leis terrenas, nem das divinas.
Celebração
Como não basta botar ovos, e informar tê-los posto é prudente, o Papa Bento XVI celebrou, ontem, com bispos brasileiros no Vaticano, a vitória da Igreja Católica neste segundo turno, quando ajudou a impor à candidata do PT o recuo no tema da legalização do aborto.
Fica a lição, em particular para o governo. Popularidade não é tudo. Se desejam introduzir assuntos polêmicos na pauta para faturarem em nichos, melhor preparar-se para o contraditório.
Ou então preparar antecipadamente a retirada. Que poderá ser embalada em cores de indignação, mágoa e revolta contra a injustiça, mas será sempre uma retirada.
UnB
Participo, hoje pela manhã, na Faculdade de Comunicação da UnB, do seminário Democracia e Jornalismo na Era Digital, uma parceria com a Associação Nacional de Jornais (ANJ). Vou dividir a mesa com o professor Luiz Gonzaga Motta.
O debate será às 11h, no auditório da faculdade.

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