quarta-feira, dezembro 29, 2010

Um ano novo e o próximo passo na direção de um mundo livre de armas nucleares

Um ano novo e o próximo passo na direção de um mundo livre de armas nucleares
Mikhail Gorbachov - The New York Times
A ratificação pelos Estados Unidos do tratado Novo Start, assinado em abril pelos presidentes Barack Obama e Dmitri Medvedev, é o resultado há muito esperado de uma grande batalha.
Há poucas semanas, o destino do tratado parecia estar por um fio. Hoje, nós podemos falar de um sério passo à frente tanto pelos Estados Unidos quanto pela Rússia. A julgar pelos relatos da conversa por telefone entre os dois presidentes em 23 de dezembro, um dia após o Senado americano ter aprovado a ratificação, eles estão otimistas a respeito de uma parceria expandida. Eu espero que isso energize os esforços para que o próximo passo seja dado na direção de um mundo livre de armas nucleares: a proibição plena de todos os testes nucleares.
Na fase final, Obama empregou sua credibilidade e capital político para obter a ratificação. O fato de um número suficiente de senadores republicanos ter colocado os interesses de segurança do país, e do mundo, acima da política partidária é encorajador.
Os oponentes do tratado não tinham nenhum argumento convincente contra ele, o motivo para o apoio ter continuado a crescer. Mensagens fortes de apoio do ex-presidente George Bush e dos ex-secretários de Estado, George Shultz, James Baker e Henry Kissinger, também tiveram um papel. Ao apoiarem o acordo assinado por um presidente democrata, esses republicanos veteranos demonstraram sabedoria e um senso de responsabilidade. Este exemplo de bipartidarismo é importante para o futuro.

O sucesso teve seu preço. Ao buscar a ratificação do tratado, Obama fez concessões substanciais ao complexo industrial-militar. Ele prometeu destinar dezenas de bilhões de dólares nos próximos anos para a modernização do complexo americano de armas nucleares, o que não é exatamente compatível com a busca de um mundo livre de armas nucleares.
A defesa antimísseis continua sendo um assunto contencioso. Durante o debate da ratificação, muitos senadores questionaram a linguagem do tratado sobre o inter-relacionamento de armas ofensivas e defensivas, que o novo tratado mantém do primeiro tratado Start, assinado em 1991. Outros tentaram impedir a ratificação do tratado, ao associá-lo à questão das armas nucleares táticas e até mesmo das forças convencionais.
É muito importante que esses ataques por parte dos oponentes do tratado tenham sido rechaçados.
Todavia, esses problemas claramente precisam ser discutidos. É preciso haver um acordo em relação ao escudo antimísseis. Duras negociações aguardam a respeito das armas nucleares táticas e um acordo realista é necessário para o problema das armas convencionais na Europa. Nós veremos em breve se todas essas questões foram levantadas apenas por retórica, como uma cortina demagógica para a superioridade militar, ou se há uma verdadeira prontidão para conclusão de acordos que aliviem o fardo militar.
Uma prioridade importante e urgente agora é ratificar o tratado que proíbe todos os testes nucleares. O impasse destrutivo em torno dessa questão importante durou mais de uma década. É essencial acabar com ele, particularmente em prol da causa da não-proliferação nuclear.
Eu me recordo de quão difícil foi começar a agir nesta direção na segunda metade dos anos 80. Naquela época, nós declaramos uma moratória unilateral nos testes nucleares. Mas, quando os Estados Unidos continuaram realizando testes, nós tivemos que responder.
Mesmo assim, nós insistimos em nossa posição de princípio, pedindo pela proibição total de testes nucleares sob rígido controle internacional, incluindo o uso de métodos sísmicos e inspeções nos sítios nucleares.
No final, essa abordagem prevaleceu e em 1996 o Tratado Abrangente de Proibição de Testes foi finalmente assinado. Diferente de outros tratados, como o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, ele conta com uma exigência particularmente rígida: cada um dos 44 chamados “Estados detentores de tecnologia nuclear” precisa assinar e ratificar o tratado para que entre em vigor.
Até hoje, apenas 35 o fizeram, incluindo três membros do “clube de armas nucleares”: Rússia, França e Reino Unido. A lista dos que rejeitam e não o ratificaram permanece formidável e inclui os Estados Unidos, China, Israel, Egito, Indonésia, Irã, Índia, Paquistão e Coreia do Norte (os últimos três nem mesmo assinaram). Cada um tem seus argumentos, mas todos não são igualmente responsáveis pelo impasse. O processo de ratificação parou após o Senado americano ter votado pela rejeição do tratado em 1999, alegando que ele não era verificável e citando a necessidade de “estocar intendência” para assegurar a confiabilidade das armas. O verdadeiro motivo foi sem dúvida o desejo de “testar mais algumas”.
Apesar disso, no século 21 apenas um país, a Coreia do Norte, se aventurou a conduzir explosões nucleares. Há, na prática, uma moratória multilateral nos testes. Está cada vez mais óbvio que explosões nucleares são inaceitáveis pela comunidade internacional e para a grande maioria das pessoas.
Enquanto isso, o comitê preparatório para a Organização do Tratado Abrangente para Proibição de Testes elaborou um forte regime de verificação. Ele agora está operacional, com quase 250 estações de monitoramento –aproximadamente 80% do número necessário para conclusão do sistema. Ao detectar as explosões nucleares relativamente pequenas conduzidas pela Coreia do Norte, o sistema provou sua eficácia.
Então devemos deixar as coisas como estão e nos contentarmos com a moratória virtual dos testes nucleares?
Não, porque compromissos que não são legalmente vinculantes podem ser facilmente violados. Isso tornaria fútil qualquer tentativa de influenciar o comportamento dos países que têm causado tantas dores de cabeça para os Estados Unidos e outras nações. Os senadores americanos deveriam pensar seriamente nisso. Como disse recentemente George Shultz: “Meus colegas republicanos podem ter acertado quando rejeitaram o tratado em 1999, mas errariam ao fazê-lo de novo”.
Seria um erro ainda maior para os Estados Unidos retomar os testes nucleares. Nenhum ganho político ou militar seria conseguido. Mas a ratificação do tratado de proibição de testes traria benefícios políticos claros. É quase certo que assim que o Senado americano concorde com a ratificação, a maioria dos países no aguardo faria o mesmo. Nenhum país deseja ser o “Estado inamistoso” para sempre e nós vimos que um diálogo até mesmo com os países mais recalcitrantes é possível. Mas o diálogo só funcionará se os Estados Unidos abandonarem sua posição hipócrita de dizer aos outros o que “não devem fazer”, ao mesmo tempo em que mantêm suas próprias opções abertas.
Os senadores devem olhar para a situação de forma sóbria e séria, sem jogo político. Ao darmos um passo na direção certa, nós devemos continuar seguindo em frente.
O argumento final a favor da ratificação universal e entrada em vigor do Tratado Abrangente de Proibição de Testes é que seria um passo para a criação de uma comunidade de nações realmente global, na qual todos compartilham a responsabilidade pelo futuro da humanidade –não apenas por sua segurança, mas também em todas as outras esferas. Isso, como vimos durante a crise econômica global, é mais necessário agora do que nunca.
Tradução: George El Khouri Andolfato

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