segunda-feira, junho 07, 2010

A impunidade dos crimes sexuais

A impunidade dos crimes sexuais
Márcia Acioli -  O Globo - 07/06/2010
No campo dos direitos humanos os marcos legais são criados como reação ao contexto violento onde há necessidade de instrumentos jurídicos para proteger pessoas vulneráveis (ou vítimas) e responsabilizar agressores. Com pressão política, aos poucos o mundo admite a sexualidade como direito e a violação dos direitos sexuais como crime. O difícil é tornar o abstrato (o direito) uma experiência concreta (vida).

Os grandes desafios têm sido revelar a violência percebida como natural em diversos contextos; mostrar o panorama real daquilo que, muitas vezes, não sai do âmbito do lar; dar visibilidade, causar espanto e mudar culturas. Os direitos humanos de crianças e adolescentes aos poucos tomam corpo e são reconhecidos nos tratados internacionais.A violência sexual passa a ser alvo de preocupação e ação.

Uma década depois da instituição do Ano Internacional da Criança, pelas Nações Unidas, foi criada em 1989 a Convenção Internacional pelos Direitos da Criança, que afirma a condição humana da criança que antes era vista como objeto de tutela e de caridade. Ampliou-se o reconhecimento da dignidade e a violência sexual mereceu um artigo específico (artigo 19). Em 1990, constituíram-se redes internacionais contra prostituição infantil, pornografia e tráfico de crianças para fins sexuais, que puseram em foco o turismo sexual e o tráfico de pessoas.

O movimento de mulheres foi essencial para a conquista dos marcos legais que protegem crianças e adolescentes, especialmente quando em 1992 se defendeu a ideia que direitos sexuais são direitos humanos. No ano seguinte, na Conferência Mundial de Direitos Humanos, reconheceu-se que a violação sexual é violação da dignidade humana e não mais um problema de ordem moral. Em 1996, em Estocolmo, o foco passou a ser adolescentes e jovens em aspectos importantes: a) Violência sexual como grave violação de direitos humanos; b) Violência sexual definida como ato delituoso; c) A ação preventiva deve ser coletiva, com participação especial do Estado. Assinaram 122 países, que se comprometeram com a elaboração de planos nacionais. Em 2000, o Brasil apresentou o seu plano. Para enfrentar a violência sexual praticada contra crianças e adolescentes são necessários esforços em várias direções.

A punição exemplar dos agressores é apenas uma das muitas ações imprescindíveis para garantir um mundo mais protegido. A absolvição de agressores não é apenas uma injustiça pontual — é um golpe que abala toda a construção social do reconhecimento da violência contra crianças e mulheres e reforça a banalização dos crimes sexuais contra a infância e a adolescência.

Quando os Tribunais de Justiça do Distrito Federal e de Mato Grosso do Sul não reconhecem a violência praticada contra meninas submetidas à degradante situação de exploração sexual, passamos a viver não só um grave retrocesso — a impunidade é lenha na fogueira da violência. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal absolveu o deputado distrital Benício Tavares, que foi flagrado em uma orgia sexual com adolescentes em uma embarcação na região amazônica, em 2004.

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul em 2009 rejeitou a acusação contra dois homens que pagaram adolescentes para manter relações sexuais. Estes atos ameaçam todas as conquistas de anos e anos de sensibilização, mobilização e conscientização da sociedade.

Enquanto juízes absolverem autores de crimes de exploração sexual, enquanto sacerdotes violentarem crianças e adolescentes e forem poupados — protegidos pela hipocrisia da Igreja—, essa modalidade de violência não será reconhecida. E meninos e meninas do mundo todo continuarão disponíveis no “mercado perverso de poder dos adultos”.

Lembrar é combater, esquecer é permitir. É preciso lembrar que há inúmeras crianças e adolescentes diariamente, e que é papel nosso, de toda a sociedade, colocar a boca em todos os trombones disponíveis.
Tribunais do Distrito Federal e de Mato Grosso não punem a violência contra meninas
MÁRCIA ACIOLI é assessora para Políticas de Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

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