sábado, junho 19, 2010
Supremo Tribunal Democrático
Supremo Tribunal Democrático
Dalmo Dallari, Jornal do Brasil - 22:42 - 17/06/2010
RIO - Ama das mais importantes inovações do constitucionalismo, posteriormente à invenção da Constituição escrita em 1787, é o extraordinário aumento da importância e da influência do Poder Judiciário na definição da regularidade jurídica dos atos, das ações e omissões, e na afirmação ou exoneração de responsabilidades por atos que tenham relevância política e social. Com efeito, quando os convencionais de Filadélfia tomaram as decisões que resultariam, entre outras coisas, na definição do modelo de Estado com tripartição dos poderes, inspiraram-se em Montesquieu para a criação de um Poder Judiciário, mas, com base em palavras de seu próprio inspirador, bem como nas concepções de poder consagradas no final do século 18, atribuíram muito pouca importância ao Judiciário. Uma das consequências foi que, prevendo a existência de uma Corte Suprema, não chegaram à fixação de critérios pormenorizados para a escolha de seus membros. Alexander Hamilton, um dos pais da Constituição dos Estados Unidos, cita uma passagem da obra fundamental de Montesquieu, Do espírito das leis, na qual o eminente filósofo-político diz que “dos três poderes o Judiciário é quase nada”.
Essa concepção limitada do Judiciário explica por que a Constituição estabeleceu apenas que os membros da Suprema Corte seriam nomeados pelo presidente da República, com a aprovação do Senado, sem exigir qualificação especial. Entretanto, com o passar do tempo cresceu enormemente a influência da corte, o que foi registrado por Edward Corwin, um dos mais autorizados comentadores da Constituição estadunidense, que em obra publicada em 1920 já observava que a Corte Suprema passou a exercer poderes tão vastos e indefinidos que a filosofia social dos nomeados constitui-se em matéria de grande importância para as autoridades que participam da nomeação, o presidente e o Senado.
Assim como nos Estados Unidos, também no Brasil cresceu extraordinariamente a influência do Supremo Tribunal Federal, desde a sua criação. A Constituição do Império estabeleceu que existiria um Supremo Tribunal de Justiça, composto de juízes letrados “tirados das relações por suas antiguidades”. E a primeira Constituição republicana dispôs que haveria um Supremo Tribunal Federal, composto por cidadãos de notável saber e reputação, nomeados pelo presidente da República com prévia aprovação do Senado. É interessante observar que a atual Constituição brasileira reproduz, essencialmente, as mesmas exigências, estabelecendo que haverá um Supremo Tribunal Federal, cujos membros serão nomeados pelo presidente da República com prévia aprovação do Senado, dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
O reconhecimento da insuficiência desses critérios tem sido praticamente unânime entre os estudiosos do Supremo Tribunal Federal, já havendo inúmeras sugestões para adoção de novos critérios. Foi precisamente nessa linha que a Associação dos Magistrados Brasileiros formulou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 434), que está em tramitação no Congresso Nacional. Deve-se reconhecer como positiva a iniciativa da entidade dos magistrados brasileiros, sendo lamentável, entretanto, que não tenha havido prévia e ampla divulgação de sua proposta, para conhecimento e discussão pela comunidade jurídica brasileira. De qualquer modo, trata-se de iniciativa de entidade respeitável, que por sua natureza tem grande autoridade para tratar do assunto. A par disso, neste momento já estão sendo discutidos nos meios jurídicos, com base em opiniões e conjecturas, os critérios que deverão ser adotados pelo presidente da República para o preenchimento da vaga que será aberta muito brevemente com a aposentadoria compulsória do ilustre ministro Eros Grau. Não haverá tempo para uma discussão aprofundada do assunto antes do preenchimento dessa vaga, mas o afloramento do problema deverá exigir maior cuidado do presidente da República, devendo, mais ainda, ser inspirador do início de um amplo debate objetivando a atualização dos critérios para escolha dos futuros membros do Supremo Tribunal Federal, a fim de que a composição da Suprema Corte brasileira se ajuste às exigências do Estado Democrático de Direito.
Dalmo Dallari é professor e jurista.
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