quarta-feira, agosto 11, 2010

A agonia de Sakineh

A agonia de Sakineh
Como o caso da iraniana condenada à morte por apedrejamento motivou um debate mundial sobre penas cruéis e colocou o Brasil no centro da discussão
Solange Azevedo

As pedras não podem ser muito pequenas – a ponto de não ferir – nem grandes demais – para não matar rápido. Os homens são enterrados de pé, até a cintura. As mulheres, até a altura dos ombros. Com os braços presos, elas não podem tentar se defender. Se testemunhas do delito estiverem presentes, atiram as primeiras pedras. Caso contrário, essa tarefa é cumprida pelo juiz. Os espectadores têm permissão para atacar em seguida. No Irã é assim: adultério é crime e os condenados são executados a pedradas. A mídia local, pressionada pelo governo, não noticia os casos e eles raramente repercutem no exterior. O drama de Sakineh Mohammadi Ashtiani, uma viúva de 43 anos e mãe de dois filhos, só despertou a atenção internacional porque o mais velho, Sajjad, 22 anos, lançou uma campanha virtual para libertá-la. Organizações de direitos humanos e civis de várias partes do mundo se juntaram a ele e começaram a divulgar a história pela internet. Os apelos, no entanto, não surtiram efeito. Na quarta-feira 4, a Corte Suprema de Teerã confirmou a execução de Sakineh. E, além de adultério, passou a acusá-la de assassinato. Nos próximos dias, o tribunal definirá se Sakineh será apedrejada ou enforcada.
O discurso das autoridades iranianas foi mudando à medida que a pressão internacional aumentava. Atores como Emma Thompson, Colin Firth e Juliette Binoche aderiram à campanha. Os brasileiros se engajaram com força depois que um vídeo protagonizado pela atriz Mika Lins caiu no YouTube e no microblog Twitter. O apelo de Mika era para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ligasse para o líder iraniano Mahmoud Ahmadinejad e intercedesse em favor de Sakineh. Primeiro, Lula disse que não se meteria em assuntos internos de outro país. Depois, voltou atrás. Durante um comício na capital paranaense, o presidente ofereceu asilo a Sakineh. A oferta foi logo rejeitada pelo Irã e Lula ainda foi chamado de “emotivo”.
Em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, Gholan Dehghani, diretor de Assuntos Políticos Internacionais da chancelaria iraniana, afirmou: “Ela (Sakineh) é uma criminosa. E esse caso não é político, é criminoso. A história foi apresentada como sendo de adultério. Mas isso é uma forma de enganar a opinião pública mundial. Essa mulher é acusada de assassinato e muitas coisas mais terríveis que eu não tenho nem coragem de descrever.”
Em maio de 2006, Sakineh foi condenada a 99 chicotadas por, supostamente, ter mantido “relações ilícitas” com dois homens. Um deles, o assassino de seu marido. Cumpriu a pena na frente do primogênito. Sajjad tinha 17 anos quando viu a mãe ser surrada. De acordo com o advogado de Sakineh, Mohammad Mostafaei, apesar de não haver provas do adultério, o caso foi reaberto porque a Justiça suspeitou que ela tivesse participação na morte do marido. Sakineh foi absolvida da acusação de homicídio. Mas a pena por adultério foi revista. Desde então, está presa. “Todas as noites, antes de ir dormir, penso: quem atiraria pedras em mim?”, desabafou Sakineh, por telefone, a Mina Ahadi, porta-voz do Comitê Internacional contra o Apedrejamento. Segundo Mina, pelo menos outras 12 mulheres e três homens, condenados à morte por apedrejamento, aguardam no corredor da morte no Irã.
Organizações de direitos humanos estimam que, entre 1983 e 1997, pelo menos 150 pessoas foram mortas dessa forma no Irã. Quando Mohamed Jatami assumiu a Presidência, as execuções diminuíram. Voltaram a ser frequentes quando Ahmadinejad chegou ao poder. “O regime islâmico desrespeita os direitos humanos e a liberdade, principalmente das mulheres”, afirmou à IstoÉ a iraniana Azar Majedi, fundadora da Organization for Women’s Liberation, uma ong sediada no Reino Unido que luta pelos direitos femininos. “E esse regime funciona baseado na intimidação e na opressão. Qualquer pessoa que se oponha é coibida violentamente.” Três familiares de Mostafaei, advogado de Sakineh, foram presos porque ele deu entrevistas relatando o drama da cliente. O cunhado e o sogro foram libertados. Mas, até a tarde da quinta-feira 5, a mulher dele continuava encarcerada. Mostafaei fugiu para a Turquia. De lá, entrou em contato com as Nações Unidas pedindo asilo político.
A atitude do governo de Ahmadinejad mostra que o Brasil não goza do prestígio que imaginava no Irã. Marco Aurélio Garcia, assessor para assuntos internacionais da Presidência da República, disse que o caso de Sakineh não afetará as relações diplomáticas entre os dois países. “Obviamente, não vai mudar de jeito nenhum. Não tem razão para mudar”, afirmou. Analistas consideram que a postura de Lula nesse episódio foi inadequada. “Ele deveria ter se posicionado firmemente em defesa dos direitos humanos. E não falar de um caso isolado. O Brasil não tem nada a perder com uma eventual acusação de ingerência interna do Irã. Não temos interesses vitais na região”, acredita Samuel Feldberg, professor de relações internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco. “Não dá para fingir que é uma questão de soberania”, alega o historiador Estevão Martins, professor da Universidade de Brasília (UnB). “Mas, para os brasileiros, a imagem que vai ficar é a de um presidente choroso e misericordioso que tentou dar asilo a uma mulher condenada à morte.” 

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