quarta-feira, agosto 11, 2010

O dia em que o PT vetou Ulysses Guimarães

O dia em que o PT vetou Ulysses Guimarães

JORGE BASTOS MORENO – O Globo
Antes mesmo do primeiro turno da primeira eleição direta no país, pós-ditadura, o então coordenador da campanha de Lula, Plínio de Arruda Sampaio, já conversava com os partidos de esquerda e centro-esquerda.
Elegante, extremamente elegante, Plínio começou, com a autorização de Lula, a conversar com o então presidente do PMDB, Jarbas Vasconcelos, sobre o apoio do partido e do candidato Ulysses Guimarães.
O PMDB era o maior partido, e Jarbas, portanto, era o dirigente mais assediado. Lula, além de concentrado em vencer Collor, tinha um motivo forte, mas altamente prosaico, para não querer conversar com Jarbas. Eu sabia, já tinha ouvido isso dele várias vezes, embora só quase três décadas depois é que me autorizou a publicar:
— Eu tenho vergonha até hoje do Jarbas Vasconcelos, por causa de um acidente ocorrido quando ele me visitou em casa. Eu me lembro disso como se fosse hoje. Tinha um sofazinho velho rasgado lá na minha casa. Tinha vergonha de que as pessoas fossem lá por causa do meu sofá. Botava um cobertor em cima para esconder a parte rasgada. Um dia chega lá em casa o Carlos Villares, dono da Fábrica Villares, para conversar comigo, e o sofá lá todo rasgado. Tratei logo de meter um cobertor em cima... Jarbas Vasconcelos, eu me lembro, estava sentado no sofá. Eu morava numa casinha três por três. Cada quarto tinha três por três. Eu estava lá conversando com o Jarbas, e, de repente, uma baratona deste tamanho vai passando, e o Jarbas a esmaga com o pé! (Lula conta o episódio escondendo o rosto feito menino envergonhado).
A barata era o empecilho!
Extremamente fiel e discreto, Jarbas contou apenas a Ulysses que estava sendo procurado pelo coordenador de Lula. E, assim mesmo, quase às vésperas do encerramento do horário eleitoral, por uma questão de respeito ao velho comandante. Ulysses gostou da conversa porque gostava muito de Lula. E, como último candidato a usar o último programa eleitoral, fez um discurso carregado de emoção e desabafo contra o regime militar que ajudara a derrubar, como fizera na promulgação da Constituinte, quando exibiu todo o seu "ódio à ditadura; ódio e nojo" e proclamou que "a sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram". No encerramento da campanha, Ulysses falou de Vladimir Herzog, Santos Dias da Silva e de todos os assassinados pela ditadura, mas centrou sua homenagem num estudante da Universidade de Brasília —- com voz embargada, gritou por uma geração inteira o nome de Honestino Guimarães. E, nas últimas palavras, deu a senha para o eleitor do segundo turno:
-- Não vote no arrebatado, no irresponsável.
Plínio e Jarbas comemoraram. Mas, na semana seguinte à eleição, o deputado José Genoino recusou o apoio do PMDB, dizendo que Ulysses Guimarães e seu partido representavam o que havia de pior na política brasileira.

Lula cedeu ao veto de Genoino, e Plínio pediu desculpas a Jarbas e a Ulysses.
Na campanha que finalmente o elegeu, perguntei a Lula qual era o seu maior arrependimento político:
Teria feito tudo outra vez. Só não teria cometido o erro de não ter ido conversar com Ulysses Guimarães no segundo turno de 89. Esse é um erro que assumo. Não gosto de ficar dividindo responsabilidades nos erros. É mais fácil conseguir dividir responsabilidades nas glórias do que nos erros. Se tivesse acreditado na aliança com o PMDB, teria bancado. Achava que não ajudaria. Por coincidência, perdi do Collor com a diferença de votos que teve o Ulysses Guimarães.
Genoino chorou na morte de Ulysses, mas não pôde pedir perdão diante do caixão do velho porque Ulysses desapareceu no mar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Skoob

BBC Brasil Atualidades

Visitantes

free counters