sábado, agosto 07, 2010

O sofrimento das vítimas

O sofrimento das vítimas
GLAUCIO SOARES – O Globo
Ser vítima de abuso sexual, particularmente, de incesto, não sai barato. Uma pesquisa feita por Brown e associados, da Clínica de Vanderbilt, mostra que o efeito do abandono, abuso sexual ou violência contra menores e adolescentes pode ser extremo. Estudaram quase oitocentas crianças e adolescentes, entre 5 e 17 anos. Nesse estudo, as vítimas tinham um risco de depressão e de tentativas de suicídio três vezes o dos que não sofreram abuso. O risco de tentar o suicídio várias vezes era oito vezes maior entre as vítimas. Os efeitos do abuso sexual, incluindo estupro e incesto, são profundos e duram. Podemos aquilatar o seu impacto comparando as vítimas e as não vítimas. De acordo com a organização Rape, Abuse and Incest Network, o abuso sexual: • Multiplica por três o risco de depressão; • Multiplica por seis o risco de desordem de estresse pós-trauma; • Multiplica por 13 o risco de que a vitima se torne alcoólatra; • Multiplica por 26 o uso e abuso de drogas; • Multiplica por quatro o risco de considerar seriamente o suicídio.
A hollywoodiana atenção dada a estupradores em série é excessiva: em 93% dos casos as vítimas juvenis e adolescentes conheciam o estuprador.
Em mais de um terço eram familiares e 59% eram conhecidos, inclusive amigos. Somente 7% eram desconhecidos.
A idade das vítimas conta: uma em cada seis vitimas de estupro e de abuso sexual tinha menos de 12 anos e 29% eram adolescentes de 12 a 17 anos. A faixa mais perigosa é de 12 a 34, particularmente entre 16 e 19 anos, faixa na qual a taxa devitimização é quatro vezes maior do que no total.
Os homens também são vítimas de uma ou mais formas de abuso sexual - em verdade, essa pesquisa revelou que um em 33 foi estuprado ou houve uma tentativa de estupro contra ele.
Nessa contabilidade, de cada dez vítimas, uma era homem. Isso significa que, somente nos Estados Unidos, pouco menos de três milhões de homens foram vítimas de abuso sexual ou de estupro. As diferenças entre os sexos aumenta com a idade: uma criança, seja menina ou menino, não consegue resistir a uma tentativa física de abuso sexual; com a idade os homens passam a poder resistir mais do que as mulheres e a constituir algum tipo de ameaça para o atacante. As instituições totais ou quase totais, como as Forças Armadas, os hospitais, os asilos, as organizações religiosas etc. são responsáveis por uma percentagem alta do abuso sexual contra homens adultos. Hierarquia e ascendência dentro de instituições e organizações facilitam o abuso sexual e a impunidade.
Há muitos estudos com tipos diferentes de vítimas (homens e mulheres; crianças, adolescentes, adultos), de tipo de violência (física, sexual, incestuosa ou não) e de circunstâncias.
A primeira pergunta que é feita se refere a se as consequências são diferentes. Cole e Putnam (1992) examinaram o tema, concluindo que o incesto produz consequências mais sérias para o indivíduo e para as suas relações interpessoais e sociais.
O agressor também varia, não é sempre o mesmo. O Rape Crisis and Sexual Abuse Center, em Belfast, na Irlanda, afirma que em termos absolutos o estuprador ou abusador sexual de uma criança mais comum é o próprio pai. Seguem outros homens da família: irmãos, tios, primos e avôs. Mulheres também o fazem, mas os abusos por homens são muito mais frequentes.
É mais frequente, mas não é sempre o resultado de ações de homens adultos contra crianças do sexo feminino.
Quase sempre passa desapercebido pelo sistema policial e legal.
Creio que, no Brasil, uma percentagem ínfima dos incestos chega ao conhecimento da polícia.
Em alguns países, a Justiça é dura com os casos de incesto. Este mês, Aimeé Sword, de 36 anos, foi condenada em Detroit a passar entre nove e 30 anos na prisão por uma relação com o próprio filho de 14 anos. Há detalhes importantes nesse caso, porque Aimeé deu o filho em adoção quando ele nasceu e não voltou a vê-lo. Foi após um reencontro, 14 anos mais tarde, que o incesto começou. O advogado de Aimeé defendeu a tese de que ela não via o filho como filho e que a maternidade é um processo que se inicia com o nascimento, mas que requer continuidade para se desenvolver, o que não houve.
Usualmente, nos incestos de crianças a vítima é passiva. Porém, no caso de adolescentes homens onde há penetração o incesto requer que o menino seja, também, ativo e que corra o risco de engravidar a própria mãe, uma experiência horripilante, ou que use contraceptivos, o que o torna muito diferente de uma vítima passiva. Aimeé foi acusada de "conduta sexual criminosa do terceiro grau". Ela tinha sido, ela própria, vítima de abuso sexual, o que aumentou estatisticamente o risco de se tornar autora de abuso.
O incesto parece uma área simples de pesquisar, mas é complexa; até agora analisamos algumas variáveis individuais, sobre a vítima, o autor do abuso, e a relação entre eles. Mas há fatores estruturais e culturais que também pesam. Em países como a Índia, os efeitos do incesto são multiplicados pelo baixo status da mulher. Anuja Gupta, que dirige a Fundação RAHI, dedicada a ajudar as vítimas de incesto, sublinha a omissão e o silêncio da sociedade, inclusive da família, porque é motivo de vergonha para toda a família. Há pressão para que a vítima se cale. O prestígio e a integridade da família são colocados acima dos direitos da vítima, afirma afirma a ativista Ranjana Kumari. Já Usha Rai, levanta a questão da credibilidade: muitas pessoas não acreditam nas vitimas e várias acham que elas, mesmo as recémentradas na adolescência, devem ter agido de maneira provocativa. Os advogados do agressor usam e abusam da afirmação de que "ela queria".
Na Índia, também foram observadas consequências similares às detectadas nos países industriais, inclusive uma dificuldade em construir uma relação íntima que pode durar para sempre. É difícil recriar confiança, necessária para uma relação saudável, e a vítima, indefesa no ato que a vitimou, é condenada a uma vida de baixa estima, culpa, vergonha e solidão.
Elas são condenadas a uma vida de baixa estima, culpa, vergonha e solidão.
Gláucio Ary Dillon Soares, pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ)

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