sexta-feira, setembro 10, 2010

Entrevista – Philip Yancey

Entrevista – Philip Yancey
Feita por Pavarini, do Pavablog, em 2000 – Permanece atualíssima
Reza a lenda que os livros que vendem muito são superficiais e dirigidos ao que se chama preconceituosamente de “grande público”. Como no meio evangélico nem as lendas rezam, Philip Yancey está aí para mostrar o tamanho da falácia.
Jornalista e culto até a medula, o escritor já bateu a respeitável marca de cinco milhões de livros vendidos. Ele possui mais de 8.000 artigos publicados em revistas e jornais de matizes doutrinários variados e tem uma saradíssima coleção de prêmios.
Oito de seus 14 livros ganharam a Gold Medallion Award (Prêmio de Excelência Editorial), sendo duas obras já publicadas no Brasil: Deus sabe que sofremos e O Jesus que eu nunca conheci. Este último ganhou também o prêmio de “Livro do Ano” em 1996. Em 1998, Maravilhosa graça, conquistou o mesmo prêmio.
Philip Yancey é casado com Janet e vive nos arredores de Denver, Colorado, 2.600 metros acima do nível do mar. Seu estilo literário é de uma franqueza desconcertante. Ele sempre instiga e provoca os leitores à reflexão, num jogo que lhe custa manifestações iradas de muita gente. Num ponto, entretanto, todos são unânimes: pode-se eventualmente discordar de suas posições, mas é impossível “passar batido” por seus textos. Não há neurônio que fique empoeirado.
O autor foi um dos conferencistas no último congresso promovido pela Sepal em Águas de Lindóia, SP. Ele confessou não ter sido uma experiência fácil para um tímido. Numa tarde ensolarada, Yancey deixou a timidez e bateu um papo esperto com o editor da Vidamix.
Vidamix – Um dos recursos utilizados por escritores cuja obra carece de relevância é o uso exagerado de citações. O sr. gosta de utilizá-las em profusão, mesmo tendo uma verve prolífica. O conteúdo da frase basta para definir a inclusão ou quem disse também conta?
Yancey - Acho que o conteúdo é mais importante porque, muitas vezes, cito alguém que pensa diferente de mim, como, por exemplo, um ateu. Mas o que ele disse pode ser importante. Uma coisa que me dá muito prazer é quando um leitor me escreve que nunca tinha lido, por exemplo, as obras de Tolstói, até que eu o citei em um livro, e agora lê tudo o que ele escreveu. Isso me dá grande alegria.
Vidamix – Alguém classificou os evangélicos como “o povo mais feliz da terra”. Entretanto, somos percebidos pelo mundo como pessoas ranzinzas e que procuram, principalmente, impor seu código moral de conduta. Por que isso?
Yancey – Isso é um assunto muito sério. Creio que existe uma confusão sobre qual seja a verdadeira missão da igreja. Em 1 Coríntios há uma situação de imoralidade em que um sujeito vai morar com a própria madrasta. Paulo diz que, se esse homem não fosse da igreja, não seria problema nosso, mas, como ele era, teriam de lidar com esse assunto. Acho que a igreja se confundiu nesse ponto em que ela, de repente, passa a acreditar que o trabalho dela é impor sua moralidade aos outros. Contudo, não vejo isso como tarefa da igreja no Novo Testamento. Acredito que a vida cristã é a melhor, mas acho que a maneira mais eficiente é demonstrá-la aos outros, para que sejam atraídos por ela.
Vidamix – Em que fase da vida teve o hábito da leitura despertado?
Yancey - Muito cedo. Desde a escola primária. Nas férias de verão, tínhamos concurso para ver quem lia mais livros, e eu tentava ler 100 livros durante as férias, às vezes eram cinco livros por dia.
Vidamix – Como ajudar a estimular o hábito da leitura entre as crianças?
Yancey - Joguem a televisão fora! Cresci sem TV e acredito que a TV embota a imaginação das pessoas. Uma vez que você viu aquela personagem, você viu e pronto. Ao ler um livro, você cria o personagem e, se eu leio, crio outro personagem diferente. A leitura é um estímulo vital para a imaginação.
Vidamix – Como é sua rotina ao escrever? Qual é a divisão do tempo entre pesquisa e a efetivação da escrita?
Yancey - É mais fácil responder isso pensando em um artigo para uma revista. Por exemplo, quando escrevo um artigo para a Christianity Today, preciso de cinco dias de trabalho para produzi-lo. Dois dias são para eu me preparar, o que inclui toda a pesquisa e o esboço. Gasto um dia para escrever e os outros dois dias para editar o texto. O mesmo cálculo se aplica em dois anos para escrever um livro. Quarenta por cento do tempo para me preparar, 20% para escrever e 40% para editar.
Vidamix – Durante a carreira, o senhor foi alvo de um sem-número de manifestações iradas. Isso parece ter melhorado. A idade aplaca a verve crítica ou os leitores estão mais abertos à reflexão?
Yancey – Ainda tenho um número considerável de leitores irados, mas por outras razões. Por exemplo, a Zondervan passou a vender muitos livros para não-evangélicos, então meu público mudou. De repente, você tem outro tipo de leitor bravo, que não pertence às igrejas, mas ao público em geral. Continua a mesma coisa. O livro Maravilhosa graça produziu grande celeuma nos EUA porque falo sobre o presidente Clinton e meu amigo homossexual.
Vidamix – Fale a respeito desse seu amigo. Após a leitura do capítulo muita gente chega a pensar que não há esperança de mudança de hábito para um homossexual.
Yancey – Foi por causa desse meu amigo que já conversei com muitos conselheiros e com outras pessoas que são homossexuais. E minha conclusão é que realmente são poucas as pessoas que conseguem essa mudança. O resultado prático disso é que a pessoa passa a ter uma dependência constante de Deus, ou parte para o outro extremo, em que nem quer ouvir falar dele. Creio que a chave disso é a forma com que a igreja trata e lida com uma pessoa que está nessa busca. Um homossexual me disse uma vez que é mais fácil conseguir sexo nas ruas do que um abraço na igreja, pois, uma vez marcado, as pessoas ficam à distância, com medo.
Vidamix – Pesquisa recente revelou que dois terços das crianças americanas entre 9 e 17 anos preferem navegar pela internet a assistir televisão. Qual das duas opções o senhor recomenda aos pais?
Yancey – Como qualquer tecnologia nova, a internet traz uma mistura de coisas boas e perigosas. Na internet propriamente dita, existem muito mais perigos para a criança do que na televisão. Porém, se os pais puderem filtrar essas coisas perigosas, ela tem muito mais coisas boas do que a televisão. Na internet, ao menos, o usuário está participando, busca e navega. Com a televisão ocorre o contrário. Você fica diante dela sem fazer nada, apenas absorvendo aquelas informações.
Vidamix – Na mesma pesquisa, 75% dos entrevistados responderam que, se tivessem de escolher um objeto para levar para uma ilha deserta, seria um computador conectado à internet. O que o senhor levaria para uma ilha deserta?
Yancey – Fizeram essa mesma pergunta a um escritor em relação a livros e a resposta dele foi que levaria o manual prático de construir navios. (risos) A resposta dos entrevistados foi boa. Se você tivesse a internet, teria a Bíblia, a Enciclopédia Britânica e todos os trabalhos escritos que estão na rede ao seu alcance, com apenas um clique. Talvez não seja uma má idéia.
Vidamix – Está saindo mais um livro da coleção Harry Potter, escrita pela escocesa J. K. Rowling. Já foram vendidos mais de 30 milhões de exemplares em 35 países. É melhor o adolescente ler sobre as aventuras de um aprendiz de feiticeiro do que não ler nada, ou os valores absorvidos podem prejudicar suas convicções?
Yancey – Não tendo filhos nem lido um dos livros da série, diria abertamente que não há problemas nesse tipo de leitura. Por exemplo, quando era criança, tínhamos os contos de fadas que há duzentos anos são contados às crianças. Provavelmente o conteúdo seja o mesmo de Harry Potter. E mesmo as historinhas infantis que foram lidas para mim não se diferenciam muito desse tipo de livro. Aliás, diria que a cosmovisão que esse tipo de livro contém é melhor para as crianças do que a visão reducionista/revisionista científica, em que não existe Deus, não existe bem, não existe mal, não existe nada. Esse tipo de visão do mundo é mais próxima da concepção bíblica, em que existe um mundo espiritual e existe o bem e o mal.
Vidamix – A Arte tem sido constantemente relegada pelos cristãos a um plano inferior e pouco importante. O senhor caminha com destreza comentando sobre filmes e peças. Qual o gênero favorito e últimos filmes/peças que viu?
Yancey – É um mau ano para me fazer essa pergunta por que dos seis indicados para melhor filme, no Oscar, eu apenas assisti a um, Beleza Americana. Quando morávamos em Chicago, íamos ao cinema e ao teatro quando quiséssemos, pois íamos a pé, mas agora fico isolado no meio das montanhas e fica difícil ter contato com filmes no cinema. As coisas que alimentam minha alma como escritor são certamente a arte, em segundo lugar a natureza e em terceiro lugar a música clássica. Quando mudamos de Chicago para o Colorado, a natureza tomou a precedência, a música clássica ficou aonde estava porque levei comigo, mas a arte foi lá para baixo porque não tive acesso aos filmes e peças. Quando alugamos filmes, preferimos filmes europeus ou chineses e não gostamos de alugar esses filmes americanos de muita ação e violência.
Vidamix – O filme Beleza americana, que ganhou o Oscar de melhor filme, retrata a degradação da família americana com uma ironia nada sutil. A influência do protestantismo reduziu-se à militância contra o aborto e o homossexualismo?
Yancey – Acho que o que se ouve falar dos Estados Unidos de fora é diferente daquilo que experimenta quem está dentro do país. Creio que a abordagem protestante não dissemina moral por toda a sociedade, mas cria uma contracultura dentro da cultura. A abordagem católica durante muitos anos, como se vê em Beleza americana, é mais ou menos algo como: não interessa qual é o tamanho do estrago no casamento, não se divorcie. Enquanto a abordagem evangélica seria que a igreja local pode lhe ensinar a ter um casamento melhor e, ao mesmo tempo, demonstrar um casamento saudável para a sociedade como um todo. Contudo, o que me entristece é que a taxa de divórcios nas igrejas americanas não é muito diferente da que existe na sociedade.
Vidamix – Vivemos uma fase dominada pelo “politicamente correto”, que, às vezes, quase chega a engessar a livre expressão, utilizando-se, inclusive, de meios judiciais para cercear determinadas posturas. Como o senhor classifica esse conceito (pc)?
Yancey – Não sei se está traduzido para o português, mas aprendi muito sobre esse assunto com um filósofo francês chamado René Girard. Ele era um sociólogo que começou a se interessar pelo movimento do “politicamente correto”. O que ele estava tentando entender é que, durante toda a História, sempre tivemos duas categorias: os heróis e as vítimas. Ele percebeu que a grande mudança começou com Jesus Cristo, que foi o primeiro herói da civilização por ser vítima. As pessoas que têm força hoje a possuem porque são marginalizadas, como homossexuais e mulheres, ou pertencem às chamadas minorias raciais. Ele demonstra que essa força moral vem de Jesus, que foi o primeiro herói à margem da sociedade. Em alguns casos, eu concordo com o escritor, em outros não. Minha abordagem é: qual é a base moral que você tem para me convencer de que sua causa é justa para ser defendida? Tento apontar de volta para Jesus, que deu a eles o piso moral sobre o qual estão operando, apesar de que, muitas vezes, a própria igreja se opõe.
Vidamix – Talvez pela influência do “politicamente correto”, temos no momento uma imprensa “gay friendly”. No entanto, ela geralmente se mostra rigorosa e seletiva com os evangélicos. Foram os gays que souberam gritar de maneira apropriada ou ovelha não foi feita para berrar?
Yancey - Vejo as duas coisas. Nos EUA, o movimento gay foi muito organizado por pessoas inteligentes e com uma estratégia muito bem traçada. Elas foram apresentar a causa primeiro à imprensa e depois aos políticos. Quanto à perseguição dos evangélicos, não me preocupo, pois Jesus já havia previsto o que aconteceria. Nos EUA, as raras ocasiões em que os evangélicos estão expostos são quando fazem as maiores besteiras. Em um dos meus livros conto sobre um muçulmano que diz que no Alcorão não há nada escrito sobre como o islamismo deve funcionar como religião da minoria. Igualmente, no Novo Testamento não há nada a respeito de como o cristianismo deve operar como religião da minoria. Quando os cristãos começam a se comportar como a religião da maioria, esquecem-se da graça.
Vidamix – O senhor é favorável a algum mecanismo de controle do que é proibido para as crianças? E para os adultos? Livre expressão total ou interferência do Estado para decidir o que podemos ver?
Yancey – Isso é algo muito difícil. Nos EUA, se alguém chega a pensar em algum tipo de censura governamental, todo mundo enlouquece. Por outro lado, a mim não faz o menor sentido um jovem se formar no colégio tendo assistido a 44 mil assassinatos, que é o que ele consome na sua vida em filmes de televisão. O problema com a censura é basicamente saber quem vai definir as regras do jogo. Na minha maneira de avaliar as coisas, mostrar a foto de uma mulher nua na TV é menos danoso e menos perigoso do que alguns tipos de piadas sobre mulheres que alguns humoristas fazem na própria TV. O que é mais perigoso no Brasil: assistir a um filme proibido ou uma criança acordar toda manhã para assistir ao programa da Xuxa?
Vidamix – Jesus delegou a todos os cristãos a responsabilidade de espalhar as boas novas. Como é tarefa ligada à comunicação, como o senhor encara o ofício do jornalista evangélico? Que importância esses profissionais têm na construção da imagem do povo de Deus e na propagação do evangelho?
Yancey – Se você olhar a qualidade dessa revista que acabou de me mostrar (a Vidamix, claro) e comparar com o que existia há dez anos, verá um grande progresso. Cheguei a participar da Associação dos Jornalistas Evangélicos nos EUA e vejo que, mesmo nas denominações menores, de modo geral, os jornalistas são mais razoáveis e têm a mente aberta. O problema é que esses jornalistas acabam entrevistando somente pessoas que já acreditam em tudo o que está naquela revista. Infelizmente, somos muito hábeis em nos comunicar com pessoas da nossa própria redoma, por meio de lojas para evangélicos, rádios para evangélicos, mas não temos sido felizes em nos comunicar com as pessoas que não fazem parte do nosso mundinho.
Vidamix – O evangelho obteve um grande avanço nos estratos médios e inferiores da sociedade brasileira, mas ainda encontra forte resistência entre os chamados “formadores de opinião” (jornalistas, publicitários, professores de universidades etc.). Como quebrar esse último muro que ainda resiste bravamente?
Yancey – Conforme viajo pelo mundo, descubro que esta situação varia de país para país. Na Índia, a situação seria similar à do Brasil: começa por baixo e vai subindo. Nas Filipinas ocorre o contrário: as igrejas mais vibrantes estão nas classes mais altas. Quando houve a derrubada do governo de Ferdinando Marcos, houve uma tal mudança de valores, que todo o mundo perdeu a raiz. Os valores ficaram todos soltos e as classes mais altas falaram: “precisamos nos firmar em alguma coisa sobre a qual possamos estabelecer nossos valores”. Dois dos lugares mais difíceis de trabalhar são a América Latina e a Europa, onde há países cristãos desde o começo. Contudo, os intelectuais estão tentando deixar o passado para trás e achar novos campos. Talvez a ênfase nas artes seja algo positivo, pois atinge as classes mais altas. Se não pudermos criar outro Victor Hugo em nosso trabalho como cristãos, vamos, pelo menos, dirigir o nosso farol sobre a boa arte já existente.
Vidamix – Qual a importância dos prêmios?
Yancey – Acho que é mais importante para a editora do que para mim, mas me fazem sentir bem. Como você bem sabe, comecei como editor e aprendi logo a importância de revisar e reorganizar aquilo que escrevo. Como já disse, passo 40% do meu tempo reescrevendo aquilo que preparei. Se você olhar a lista de best-sellers do EUA, a maioria dos livros não decorre da pena de escritores. Como a minha única plataforma é a palavra escrita, o conteúdo de meus livros é que fazem você virar a página e continuar lendo. Assim, esses prêmios têm o sentido de dizer que valeu a pena.
Fonte: Vidamix
Philip Yancey (nascido em 1949) é um escritor e jornalista cristão americano. Seus livros venderam mais de 14 milhões de cópias, desde a sua estréia em 1977 e são lidos em 25 idiomas pelo mundo todo, fazendo dele um dos mais vendidos autores cristãos[1]. Premiado duas vezes com o "Melhor livro do ano" pela ECPA[2], além de outros prêmios, Yancey colabora com a revista Christianity Today, como editor associado.

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