sexta-feira, setembro 24, 2010

Filinto Müller: Prestes foi vítima da própria vaidade

Filinto Müller: Prestes foi vítima da própria vaidade
JORGE BASTOS MORENO – O Globo
Se um dia eu escrevesse um livro, minhas histórias começariam por um dos mais polêmicos personagens da política brasileira: Filinto Müller, que, entre as inúmeras funções públicas que ocupou, algumas até mais relevantes do que esta, será sempre lembrado como o chefe de Polícia do Estado Novo, o carrasco de Vargas.
Por que começar com Filinto? Nasci e cresci ouvindo esse nome. Amado pelo povo da minha terra, Mato Grosso, só quando deixei a província é que descobri que Filinto era odiado pelo país inteiro. E ele cruza minha vida profissional logo que passei a conviver com Ulysses Guimarães e Tancredo Neves. A memória de Ulysses era mais fresca, pois conviveram muito, cada um de seu lado — ele como presidente do único partido de oposição e Filinto como presidente da Arena.
Biograficamente, a história de Filinto é, no mínimo, instigante. Esse homem participou dos momentos mais interessantes da nossa História: da Revolução de 22 à ditadura de 64 e até o governo Geisel, em cujo mandato morreu, como presidente do Senado, vítima de acidente aéreo.
— O Filinto me confessava que tinha medo de ser assassinado, tanto que só andava com seguranças — contava Ulysses.
Entre as atrocidades praticadas pelo carrasco da ditadura Vargas, uma das mais conhecidas foi a prisão de Luiz Carlos Prestes, de quem tinha sido companheiro na Coluna Prestes, e a deportação da mulher do líder comunista, Olga Benário, para a Alemanha nazista.
Não convivi com Filinto Müller, mas a generosidade dos amigos me ajudou a colecionar histórias fantásticas da sua vida. De Tarcísio Hollanda, um dos maiores repórteres deste país, ganhei, por exemplo, um depoimento histórico de Filinto, onde ele conta tudo e, pela primeira vez, fala de Olga Benário. Parte dessa preciosidade foi publicada pelo "Jornal do Brasil", onde Hollanda trabalhou. Do jornalista e escritor Fernando Morais, autor de "Olga", recolhi histórias fabulosas, como a de uma chantagem, nunca comprovada, de que Filinto teria sido vítima, ainda na ditadura de Vargas, por consumo de entorpecentes.
Mas eu destaquei para vocês um trecho muito interessante do perfil de Prestes, traçado por Filinto. O depoimento é suspeito, já que a mágoa era recíproca. A de Prestes, naturalmente, por razões mais nobres.
Eis o trecho:
"( ...) O próprio Prestes é sincero em suas convicções. Homem inteligente e culto, deixou-se dominar por suas ideias políticas a ponto de colocar sempre a URSS acima de tudo, esquecido de que sua Pátria é o Brasil.
Além desse imperdoável aspecto de sua personalidade, há outro defeito que reputo muito grave em Prestes: é a sua extrema vaidade. Foi por vaidade que Prestes sempre colecionou, metodicamente, cópias de suas cartas, relações de pessoas com as quais mantinha contato, tornando-se assim, por ironia da sorte, um bom informante da polícia.
Quando apreendemos seu arquivo na Rua Paul Redfern, encontramos nele um rico repositório de informações. Entre outras, ali estavam referências a Harry Berger, o enviado de Komintern. Mais tarde, o arquivo apreendido na Rua Honório Gurgel, no Méier, nos proporcionou elementos para efetuar diligências importantes e comprometeu muita gente. Finalmente, em 64, um terceiro arquivo de Prestes deu dados valiosos à polícia.
É certo, portanto, o que afirmo: a vaidade pessoal transformou Luiz Carlos Prestes num ótimo 'informante' da polícia."

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